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Crítica | Missa da Meia-Noite (Netflix)

Terror e religião sempre terminam em banho de sangue.

Missa da Meia-Noite
Netflix

A nova série de terror da Netflix oferece um banho de sangue  com uma pitada profunda sobre religiosidade e morte.

Em Missa da Meia-Noite, há uma cena simplesmente incrível perto do meio da minissérie da Netflix. Ela tem um personagem que, compelido por sua fé, oferece perdão a alguém mesmo que essa pessoa não tenha feito nada para merecê-lo. O efeito que isso tem nas duas pessoas envolvidas é tão maravilhosamente  bem feito e interpretado  que se torna visivelmente comovente e é facilmente um dos momentos mais bonitos da televisão nos últimos tempos. Para que tal cena chegue numa minissérie cheia de gargantas cortadas, massacre de gatos e uma contagem final de corpos na casa das centenas é um tanto surpreendente. 

Uma cena dessa totalmente religiosa não aparece muito nas produções da Netflix. É quase um milagre, por isso foi importante começar a contar sobre a Missa da Meia-Noite a partir dela.

Milagres, porém, são um dos principais momentos da Missa da Meia-Noite. A trama fala sobre os eventos cada vez mais sobrenaturais que acontecem na Ilha Crockett, uma pequena comunidade de pescadores na costa de Washington, após a chegada inesperada de um jovem padre. O Padre Paul Hill que veio como um substituto temporário para o pastor mais velho de St. Patrick, que misteriosamente adoeceu durante uma viagem à Terra Santa. Com as suas homilias animadas e o cuidado pastoral pelos habitantes da ilha, o Padre Paul traz uma nova energia revigorante à paróquia. Infelizmente, ele também traz outra coisa que o mantém trancado em um baú do tamanho de um corpo. Algo que está vivo. 

Quem gosta de produções do gênero, quando vê pela primeira vez essa caixa, já tem uma ideia do que esteja dentro dela.

A minissérie, no entanto, leva seu próprio e lento tempo para chegar à revelação. Em vez disso, Missa da Meia-Noite passa a maior parte de seus primeiros episódios permitindo que você conheça os residentes da Ilha. Mais especificamente, permite que você saiba o que eles pensam de Deus e da religião. E para uma pequena ilha, é uma multidão impressionantemente diversa, cobrindo a maior parte do espectro filosófico de não crente a devotos fervorosos.

No centro da história está Riley Flynn, recém-saído da prisão que retorna à ilha, um ex-coroinha que se tornou ateu depois que Deus “permitiu” que ele se embebedasse, entrasse em um carro e matasse alguém. Ele já foi namorado de Erin Greene que ainda mantém sua fé católica como uma fuga, principalmente depois de viver um relacionamento abusivo quando fugiu da ilha. A adolescente cadeirante Leeza Scarborough, por outro lado, é uma verdadeira crente e participante fiel da missa diária. Bev Keane –  presidente, tesoureira e secretária da igreja do St. Patrick’s – também está na missa todas as manhãs, mas em seus pensamentos e ações parecem mais um tipo de fundamentalista que saiu basicamente dos romances de Stephen King. 

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Representando o ponto de vista não cristão, estão o xerife Hassan e seu filho, os únicos muçulmanos da ilha, e a Dra. Sarah Gunning, a única lésbica da comunidade e fiel adepta do cientificismo. Claro que existem outros personagens, mas você entendeu onde quero chegar.

O diretor e escritor Mike Flanagan (A Maldição da Residência Hill e a Maldição da Mansão Bly) quer ter certeza de que ele cobre todos os espectros humanos, dando igual tempo ao ponto de vista de cada personagem durante as muitas discussões sobre fé, ou a falta dela, que ocorrem ao longo da minissérie. E, para sua credibilidade, o Sr. Flanagan parece ter feito seu dever de casa sobre religião comparada, já que a maioria dos vários sistemas de crenças são bastante precisos em suas representações na minissérie. Bem, exceto quando  Bev Keane abre sua  boca, pois seu interesse não está na verdade de suas crenças declaradas, mas no que ela pode obter por meio da manipulação delas.

Essa distinção se torna um fator cada vez mais importante em como os eventos ocorrem na Ilha de Crockett. De um lado temos um bom pastor (e ele é surpreendentemente bom) que não trouxe apenas entusiasmo e zelo religioso com ele para a ilha, mas também a capacidade de realizar o que parecem ser milagres. O primeiro milagre ocorre quando o Padre Paul pede para que a pequena Leeza se levante de sua cadeira de rodas e ande, e a cura desperta um fervor religioso na ilha que traz consigo uma onda de boa vontade e gentileza entre os cidadãos.

Porém, estamos falando de uma série de terror e não de milagres. No final das contas, os habitantes da Ilha Crockett aprendem que os poderes milagrosos do Padre Paulo não se originam da fonte angelical que ele acredita sinceramente que seja, mas de algo que é muito mais abominável e faminto. E uma vez que essa fonte voraz revela sua verdadeira natureza, Bev Keane aproveita isso como uma oportunidade para adquirir ainda mais influência sobre seus vizinhos em nome de uma religião que ela realmente não pratica, pelo menos não em sua alma.  Além disso, seu plano acaba se transformando num verdadeiro banho de sangue.

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Mas, embora Missa da Meia-Noite não se intimide em mostrar a carnificina gráfica que seu enredo exige, seu principal interesse está em outra linha de narrativa. É sobre o quanto mal pode ser uma religião quando ela se corrompe e como nós, humanos, usamos nossas várias crenças para processar e lidar com a morte.

Todos da ilha morrem? Quase todos e a minissérie dá a cada um deles uma ampla oportunidade de contemplar sua mortalidade. Assim como em suas discussões religiosas iniciais, Flanagan concede a cada um de seus personagens tempo igual para expressar suas opiniões sobre a possibilidade do que acontece após a morte. Alguns abordam o assunto por meio da oração ou do canto de hinos, alguns pelo raciocínio científico e outros simplesmente gritando noite adentro.

A Missa da Meia-noite parece querer também uma abordagem onde “todas as opiniões são válidas” sobre o assunto, embora o escritor talvez tenha escolhido seu lado por meio de um discurso longo e poético proferido por um dos não crentes sob as estrelas. É uma cena perfeitamente filmada, e Flanagan certamente obtém  a resposta que ele e todos que assistem precisavam. Afinal de contas, a “beleza” de se dissolver em nada para que seus átomos possam se tornar um com o cosmos simplesmente não tem a mesma profundidade que a possibilidade de passar a eternidade na presença amorosa da força criativa por trás do universo. Até a música da cena final chamada “Nearer, My God, to Thee” que na versão em portugues se chama “Mais perto quero estar” tem seu propósito.

Todos os sete episódios de Missa da Meia-Noite estão disponíveis na Netflix e se não fosse por causa de Round 6 que saiu uma semana depois, teria sido uma das séries mais comentadas de 2021.

Editor de Contéudo deste site. Eu não sei muita coisa, mas gosto de tentar aprender para fazer o melhor.