Direto ao ponto: Manto e Adaga (Marvel’s Cloak and Dagger) é um dos melhores lançamentos de séries que já vi em muito tempo. A série começa contando a história das versões mais jovens de Tandy Bowen (Olivia Holt) e Tyrone Johnson (Audrey Joseph) no dia em que alguma força misteriosa os salva e que ao mesmo tempo perderam a pessoa que mais amavam no mundo. Coisa de destino, um encontro escrito nas estrelas.
Se você não tem interesse em série de heróis, saia daqui, pois não há nada que possa fazer por você.
Esta crítica de Manto e Adaga foi baseada nos quatro primeiros episódios da série
Após os acontecimentos do prólogo, o episódio pula alguns anos com Tandy e Tyrone já como adolescente, suas vidas mudaram. Tandy teve uma vida cercada de privilégios, mas com uma mãe viciada e instável, ela decide sair de casa e vira quase uma sem-teto. Já Tyrone se alimenta da culpa em torno da morte do irmão mais velho e tem uma vida dura na escola e em casa.
A eficiência e a profundidade com que conhecemos esses dois personagens estoicos é um dos principais pontos fortes da série. É uma intimidade bem construída na linguagem visual pela diretora Gina Prince-Bythewood. É complexo fazer cenas com câmera na mão sem parecer algo documental, mas essa diretora teve uma clareza, ousadia e soube conduzir a ambientação e performances incríveis. Cada close no rosto de Tandy ou Tyrone nos mostra claramente o que eles estão sentindo. Cada ponto e referência simbólica, como aquele que vemos Tyrone envolto em um lençol preto parecendo um manto, olhando para a cidade, é feito a serviço da história e do tom da série.
Eu tenho algumas coisas para falar sobre Manto e Adaga.
A série é sombria e ao mesmo tempo não foge das realidades ásperas da vida na América, da maneira como o país vem falhando com seus cidadãos mais vulneráveis. Manto e Adaga subverte o contexto de protagonistas tão diferentes e tão parecidos ao mesmo tempo, tem toda uma expectativa racista sobre os dois e acho que é isso que a série quer mostrar. Tandy é branca, mas acaba virando uma criminosa enquanto Tyrone é negro e mantém sua vida dentro de regras e honestidade. Ele tem medo de ser morto pela polícia pelo ‘‘crime’’ de sua negritude. Ela não depende de ninguém, mas isso também é seu fracasso como pessoa, uma jovem mulher sem escolhas. Personagens complexos, personagens profundos.
Cada um torna a história muito mais forte, ao mesmo tempo em que não existe uma ‘‘jornada do herói’’ na série, aqui não existe ‘‘o Escolhido’’. Não existe nada mais americano que a história de uma pessoa que cresceu por seus méritos e que lhe torna individualista; mas não há nada mais honestamente americano que uma história sobre comunidade, família e relacionamentos, e as maneiras como cada coisa pode cair, se levantar e se reconstruir.
Em um mar de histórias de super-heróis que priorizam o indivíduo, precisamos de mais histórias como Manto e Adaga, que se recusa a colocar seus personagens em um vácuo quando se trata de seus privilégios e poderes ou suas opressões e lutas. Só porque você tem superpoderes, não significa que você pode optar por sair da opressão sistêmica.
Dada essa exploração dos fracassos e falhas da América moderna, faz sentido que, ao contrário dos quadrinhos Manto e Adaga seja ambientado (e filmado) em Nova Orleans. É um lugar de grande disparidade, e uma cidade caracterizada pela sua capacidade de se reconstruir repetidas vezes após a morte e a destruição e o fracasso das instituições em cumprir o seu papel social. Além disso, Manto e Adaga usa a rica cultura de Nova Orleans, me lembrou o cuidado e pesquisa que fizeram na série Deuses Americanos. Essa parte da cultura e histórias sobre o sobrenatural são bem abordados.
A série adota uma abordagem lenta quando se trata do relacionamento entre Tandy e Tyrone, assim como a progressão de seus superpoderes. No final do quarto episódio, nem o espectador nem os personagens têm ideia do que está acontecendo com a habilidade de Tandy em conjurar uma adaga de luz do ar ou a habilidade de Tyrone de se teletransportar pelo espaço com o uso de qualquer capa.
Nós apenas sabemos que, entre todas as injustiças que esses dois são forçados a suportar, talvez o universo esteja dando uma folga para eles – e talvez a maior ruptura seja entendemos a solidão que os dois sentem.
Isso não quer dizer que os primeiros quatro episódios de Manto e Adaga são lentos – longe disso – são apenas baseados em um tipo diferente de urgência dramática, um impulsionado pela emoção humana e tentativas pelas quais esses dois passam todos os dias como qualquer pessoa.
Manto e Adaga conseguiu entender algo que muitos outros programas de TV de super-heróis: o drama mais profundo e urgente não vem de um conflito externo, mas do complexo e infinito contexto emocional de uma vida humana.
Manto e Adaga não é apenas uma das melhores estreias de super-heróis do ano; está prestes a se tornar um dos melhores dramas de TV de 2018.
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