Crítica sem spoilers da série de comédia mais importante da última década, Ted Lasso.
Demorei quase dois anos para assistir Ted Lasso, terminei as duas temporadas em menos de 36 horas. Não sabia do que se tratava a série, apenas estava no meu radar quando começou a ganhar todos os prêmios que existem para a tv americana e que era sobre futebol. Porém, os canais e influenciadores de cultura pop que sigo bombardearam minha tl no twitter sobre como Ted Lasso não é uma série, mas uma experiência de vida. Precisei até ‘mutar’ o nome da série por causa disso.
A série explodiu porque ela foi lançada na época do auge da pandemia, onde o consumo mundial (locais onde existiam internet, claro) pelos serviços de streaming foram recordes. Começou pelo boca a boca. Quando percebemos, a primeira temporada da série, havia ganho Emmy – seu roteiro inteligente, leve e positivo – tinha aquecido o coração de quase todo o mundo. A série meio que conectou o público, sobre os méritos de você ser uma pessoa sempre otimista.
A série é estranha, sobre um técnico de futebol americano que é contratado para ser técnico de futebol inglês. Estamos vivendo um momento bizarro dentro da cultura pop e TV. Todo dia surge um novo streamer, onde o debate que surge é: esses novos serviços tecnológicos estão agregando ou afastando as pessoas? Não sabemos, o que descobri assistindo Ted Lasso foi como a série é real e como isso ainda é uma linguagem que as pessoas querem assistir. A série foi estranha num momento estranho da história humana que por diversos fatores acabou se transformando num fenômeno de crítica e público.
O Apple TV+ estava sem uma série com força quando Ted Lasso foi lançado. A empresa estava apostando muito no The Morning Show, além do See que muita gente não estava levando a sério. E no meio termo, eles tinham Dickinson que ganhou o público jovem, mas uma série (comédia) para chamar de seu, a empresa ainda estava devendo.
E então Ted Lasso surgiu, sem pretensão alguma. Tanto que ele é uma adaptação de um projeto esportivo da NBC Sports de 2013, no qual Jason Sudeikis (criador e protagonista da série) interpretava um treinador americano que não sabia absolutamente nada sobre futebol, mas veio para a Inglaterra para treinar um time da Premier League.
O Ted é um cara otimista, quase esses coach´s que a gente vê e assiste todos os dias nas redes sociais e ‘roubam’ rios de dinheiro de trouxas, o próprio texto da série brinca com isso quando Ted cola um mantra em cima de porta de escritório ‘Believe’: acreditar. Ele é um otimista por natureza e não parece se importar muito com o lado vencedor e perdedor do esporte. Ele só quer que sua equipe seja a melhor versão possível de si mesma.
Ted Lasso é quase uma religião para os americanos e para o resto do mundo, a comédia ganhou quase status de “Friends” e “The Office” tem hoje para vocês terem uma ideia. Um mundo antes e depois da pandemia foi terrivelmente assustador para milhões de pessoas, tanto física quanto mental e Ted Lasso meio que criou um mundo onde a gente ainda pode sonhar positivamente sobre a vida e suas dificuldades.
A série é genial quando aborda não apenas sobre o esporte, mas sobre esportes e quanto eles são coletivos. Aqui funciona como uma metáfora, como os indivíduos agem socialmente, desde comportamento, quanto suas obrigações e funções dentro de um time de futebol. As críticas sociais são sutis, mas elas existem: políticas públicas, sistemas econômicos e sistema educacional. Tudo está lá e a série transforma isso de um jeito muito poderoso. Em Ted Lasso, você não está sozinho, você sempre vai precisar de algum tipo de apoio.
Grande parte da primeira temporada é o Ted Lasso ensinando para seu time que a masculinidade tóxica não existe mais. O futebol masculino é machista? Apenas o cenário esportivo mais machista que existe, e você tem Ted chegando para ensinar tudo isso. Roy Kent (Brett Golstein) e Jamie Tartt (Phil Dunster) são essas caricaturas que Ted vai precisar moldar.Onde a política de gentileza que ele criou conseguirá mudar esses dois caras extremamente ‘machos’? Só assistindo para saber! Apesar de tudo, não vou soltar tantos spoiler assim da série. E então chegamos na segunda temporada e o tema muda: ser gentil é sua verdadeira face ou apenas uma máscara que você usa para esconder seus medos?
Ted Lasso na segunda temporada ainda continua gentil e acreditando em seu time, isso faz parte de sua natureza, mas ele acaba descobrindo queusa isso como uma arma ao longo dos anos para se proteger e proteger os outros. Existe um conceito político chamado ‘complexo industrial de felicidade americano’, a forma política que os EUA se vendeu para o mundo depois da Segunda Grande Guerra. O país da felicidade, liberdade e sonhos. A ideia capitalista dessa política é que você pode comprar tudo isso. Você é feliz e realizado se ‘comprar’. Existem diversas metáforas sobre isso na série, até a forma como o Ted tem o sotaque carregado e parece um cowboy falando. Isso é tão evidente que eles fazem uma piada quando o Ted precisa ir ao hospital e fica ‘bestializado’ quando descobre que qualquer pessoa terá atendimento médico gratuito em qualquer lugar da Inglaterra.
Essa ideia de que você pode comprar tudo, vencer tudo apenas querendo é uma cultura forte no mundo da internet e o próprio Ted Lasso é uma pessoa que acredita nisso. Só você pode resolver seus problemas, apenas você. Mas ele acaba descobrindo que isso não funciona bem assim, o mundo é gigante e todo mundo pensa diferente e quando ele enxerga isso é um dos grandes momentos da segunda temporada. É de fazer chorar de rir.
A série não é apenas Jason Sudeikis dando uma aula de roteiro e interpretação, é a série da vida Hannah Waddingham, Juno Temples, Brendan Hunt e Jeremy Swift. O elenco da série é genial, meus queridos, genial, não tem qualquer defeito. A Hannah simplesmente se tornou uma força da natureza na indústria, ela era famosa por ser apenas aquele meme de GOT “Shame, Shame!” e do nada, ganhou prêmio, reconhecimento e hoje tem pelo menos cinco projetos assinados até 2030.
Mas a série ficou grande demais, eles não estavam esperando tanto sucesso ou que precisassem escrever textos geniais em todo episódio. Claro, a série consegue falar e abordar diversos temas, mas eles sabem que se abrirem mais do que conseguiram na primeira e segunda temporada, Ted Lasso perde a mão. Acredito que não dure mais que 4 temporadas, é série de comédia sobre futebol não tem o que fazer. Mas tirando isso, o lado inglês, as piadas, todos os procedimentos sociais, a forma de comunidade que ele cria com o time, o bairro e seus vizinhos é reconfortante. Ele terminou a segunda temporada ainda sem entender bem como são as regras do futebol, porém, isso não impede de seu time fazer história na Premier League.
Ted Lasso é o poder do pensamento positivo em forma de série e você vai se divertir como nunca. Eu recomendo muito! Cada temporada tem apenas 11 episódios de meia hora em média, então dá para assistir numa tarde. E a terceira temporada vem aí! Disponível na Apple TV+.
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