Em uma sátira às ditaduras que afligiam a América Latina no século XX, A Grande Farsa é certeira ao misturar em sua narrativa o clima noir e personagens e narrativas absurdas, levando tudo a parecer uma noveleta trágica para os países que passaram por esse mal.
Enfim, corrigi uma injustiça, pois, mesmo estando com A Grande Farsa, lançado em agosto de 2020 pela editora editora @canalcomixzone, em minha pilha de leitura, só agora parei e li esse baita quadrinho. Sem palavras para o quanto essa historieta (como os argentinos chamam quadrinhos) é divertida, bem narrada e extremamente irônica.
Como o jornalista Paulo Ramos afirma em seu prefácio, A Grande Farsa mistura uma história policial com o realismo fantástico. Um realismo digno das melhores tramas de Dias Gomes, autor de Roque Santero ou Saramandaia. Um realismo fantástico que só a América Latina consegue gerar, com seus generais ridículos, republiquetas de bananas, sujeitos bêbados, mas durões, e mulheres que levam homens à loucura.
A história, que é dívida em duas partes (A Grande Farsa, e sua continuação, O Iguana), acompanha um policial alcoólatra que se vê no meio de um caso que envolve a sobrinha do ditador da Colônia. Só que essa sobrinha é uma santa virgem, que cura os pobres. Pois foi vendida assim pela propaganda do ditador, já que ela tem um caso incestuoso com o mesmo. Fotos íntimas da “santa” podem comprometer essa farsa e levar ao fim essa história que agrada tanto o povo.
Só com esse último parágrafo acima, já temos noção da genialidade de Carlos Trillo, que mistura o noir, muito identificado pelos dramas policiais, e o realismo fantástico, que combina uma visão realista do mundo com elementos mágicos que são inseridos em cenários cotidianos, como a figura da santa, por exemplo.
A história se desenrola como uma enorme novela, com direito a comentários dos próprios personagens, em tiradas geniais, pois dá um passado a vários atores desse drama, enquanto acrescenta um ar de ironia e humor, em uma narrativa que gruda o leitor nas páginas de Domingo Mandrafina, que é um dos grandes destaques de A Grande Farsa. É tudo muito dinâmico e dramático, com uma ironia carregada.
Pra falar a verdade, A Grande Farsa é uma predecessora espiritual de uma Kubanacan (novela satírica da Globo), com suas mulheres sensuais, seu herói titubeante e sua nação entregue a patifes. Só que a obra de Trillo e Mandafina é bem escrita ao criticar as ditaduras e os países que passaram por essa sombra no século XX.
A sátira prossegue na continuação de A Grande Farsa, chamada de O Iguana. Onde vamos conhecer vários casos do torturador oficial do governo. Um homem tão temido que faz até criança não abrir os olhos após ter encarado o Iguana quando bebê. O desfecho é ácido e certeiro, ao colocar a história do torturador fazendo sucesso em Hollywood, mostrando que o que é tragédia em alguns países (América Latina) vira entretenimento em outros (EUA).
Carlos Trillo faz em seu texto um trabalho incrível. Ridicularizando a tudo e a todos desse período, que, infelizmente, parece se repetir na América Latina, que ainda tem muitas feridas abertas.
Em um quadrinho marcante, a frase que mais chama atenção em A Grande Farsa é a seguinte: “Tudo é falso nas ditaduras. Até às virgens“.
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