H.P. Lovecraft foi um dos maiores autores da literatura clássica gótica. Morreu novo, com apenas 46 anos, em decorrência de um câncer no estômago, mas deixou uma enorme contribuição na ficção científica de horror, na qual ficou conhecida como “Terror Cósmico”. Nele, mostrava o ser humano sempre diante de uma realidade paralela hostil e assustadora habitada por criaturas estranhas que adentravam em nossa realidade para aniquilar os seres humanos.
São histórias que exploram os nossos medos mais primitivos, emoção favorita do escritor, como ele próprio definiu: “A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido”. Logo, os seus textos sempre foram marcados por descrições minuciosas – envolviam até aspectos geográficos detalhados – sem contar o mundo fantástico que ele criou, com destaque para o Necronomicon – Livro dos Mortos e o mito de Cthulhu, duas criações da sua mente fértil. Por isso, qualquer diretor ou roteirista que resolva entrar “neste mundo”, por mais que o resultado seja ruim, merece ser valorizado pela iniciativa de tentar transpor para tela grande, o material complexo do escritor.
Lembro-me da primeira vez que li Nas Montanhas da Loucura e imaginei o quanto seria difícil realizar uma versão cinematográfica do filme, algo que se comprovou como uma verdade em virtude do engavetamento da adaptação a ser dirigida por Guillermo Del Toro. Por isso, são poucos os filmes que realmente tiveram resultados satisfatórios. Não é qualquer pessoa que tem a habilidade em traduzir, na essência, o magistral mundo fantástico relatado pelo escritor.
Apesar disso, esta lista do Cine Set encontrou 5 adaptações dignas de nota. Todas elas adaptadas de um conto do escritor. Vale citar que as contribuições do escritor também envolveram filmes que foram influenciados por suas obras (nas menções honrosas citaremos algumas). Vale mencionar que apenas um cineasta adaptou diversos trabalhos com enorme qualidade: Stuart Gordon, por isso, se você quiser aprofundar melhor a obra de Lovecraft no cinema, comece procurando os filmes deste diretor. Além disso, na literatura, o mestre Stephen King já relatou que Lovecraft serviu de inspiração para seus trabalhos. Nos videogames, nada me tira da cabeça que jogos como Doom e Castlevania apresentam a essência dos contos do autor. Até nas HQs é possível notar esta influência, assim como na música. Confira abaixo as boas adaptações que souberam transcrever com eficiência o sentimento do medo da obra do autor no cinema:
1. O FILHO DAS TREVAS (THE RESURECTED, 1991, DE DAN O’BANNON)
Uma das raras boas produções de horror da década de 90. É bem fiel ao conto O Caso de Charles Dexter Ward, mesmo que apresente suas licenças poéticas. Claire (Jane Sibbett) é esposa de Charles Dexter Ward (Chris Sarandon, o vampirão charmoso de “A Hora do Espanto”) que procura pelo detetive particular John March (John Terry, o pai de Jack no seriado Lost) para que ele investigue o que seu marido anda fazendo de misterioso em uma cabana isolada que pertence à família. Vale destacar o enredo que mistura alquimia, canibalismo e magia negra, elementos fabulosos na literatura de Lovercraft. O canastrão Chris Sarandon está muito bem (e assustador) no papel de Charles. Só que o grande atrativo do filme é a ótima construção da atmosfera sombria realizada por Dan O’Bannon, o mesmo sujeito que escreveu clássicos do cinema B como “Alien – O Oitavo Passageiro”, “Força Sinistra” e “Os Mortos-Vivos”. Também marca um dos seus raros trabalhos atrás das câmaras, junto com o clássico “A Volta dos Mortos Vivos”.
2. MORTE PARA UM MONSTRO (DIE, MONSTER, DIE, 1965, DE DANIEL HELLER)
Baseado no conto A Cor que Caiu do Céu, é uma interessante adaptação graças ao enredo cheio de mistério e a atmosfera de suspense no melhor estilo “lovecrafitiano”. A direção segura de Heller – que por muitos anos foi diretor de arte dos filmes de Roger Corman – acerta na construção simples em desenvolver o suspense de modo gradativo. Um meteorito cai em uma pequena cidade, espalhando horror e loucura nos moradores da cidade. O enredo mistura ocultismo e adoração por criaturas fantásticas da mitologia clássica, ou seja, bebe diretamente da fonte do escritor. Pela experiência de Heller na área artística, “Morte para um Monstro” é marcado por uma bela fotografia gótica e cenários sinistros. E o elenco conta com o grande Boris Karloff, aqui já bastante debilitado em virtude da idade, mas ainda assim genial.
3. DAGON (DAGON, 2001, DE STUART GORDON)
Uma excelente adaptação que só um gênio especialista no assunto como Stuart Gordon poderia fazer. Levou 15 anos para ser realizado – o cineasta queria rodar o filme em 1985 para fechar sua trilogia sobre o autor. A produção conta com o famoso trio que mostrou afinidade em adaptar os textos do escritor: além do diretor, temos Dennis Paolli no roteiro e Brian Yuzna na produção. Só faltaram Barbara Crampton e o insano Jeffrey Combs no elenco. Paul Marsh está de férias com sua namorada e um casal de amigos em um barco na costa espanhola. Uma tempestade encalha o barco, e os dois vão procurar ajuda em uma ilha próxima que esconde um segredo.
Longe dos outros trabalhos marcados pelo humor negro e adaptados por Gordon em relação ao texto de Lovecraft, Dagon apresenta um clima sombrio com as esquisitices e bizarrices do conto do autor. O enredo é uma mistura de criaturas anfíbias e paganismo. O tom misterioso impregna cada frame, assim como os elementos oníricos que permitem ótimos resultados ao filme. O roteiro ainda guarda um subtexto interessante em relação à xenofobia. Destaque para a bela Macarena Gómes e a ótima participação do grande Francisco Rabal. Em linhas gerais, um filmaço, ainda que sem o hype dos outros trabalhos do cineasta.
4. CASTELO ASSOMBRADO (THE HAUNTED PALACE, 1963, DE ROGER CORMAN)
Um filme que junta nada menos que esta seleção de notáveis do mundo fantástico: Roger Corman, H.P. Lovecraft, Edgar Allan Poe, Vincent Prince, Lon Chaney Jr e Charles Beaumont. Não tinha como dar errado e realmente passa longe disso. É um poderoso filme, um belo clássico do cinema de horror da década de 60. É baseado em um poema de Poe e no conto de Lovecraft, O Caso de Charles Dexter Ward, ainda que a essência do segundo predomine. É oficialmente a primeira produção baseada nos escritos do escritor para o cinema. Corman, que até então adorava adaptar os trabalhos de Poe, não decepciona em adaptar outro mestre do horror. Carrega o filme com tons góticos e traduz o mundo cósmico e bizarro de Lovecraft com uma fidelidade absurda. E Vincent Price está soberbo como Charles Dexter Ward, um sujeito que começa a ficar obsessivo em descobrir o passado do seu ancestral, Joseph Curwen (também feito por Price), um bruxo acusado de praticar magia negra no século XIX. Como curiosidade, um dos colaboradores do roteiro foi um sujeito chamado Francis Ford Coppola.
5. DO ALÉM (FROM THE BEYOND, 1986, DE STUART GORDON)
É o filme mais insano que consegue captar toda a loucura e o mundo fantástico do escritor. Do início ao fim, é um trabalho que chuta o balde e brinda os fãs com uma narrativa frenética repleta de humor negro associando sexualidade com nojeira (estamos falando da década de 80, onde isso era frequente), adicionando ao tempero criaturas grotescas saídas da mente doentia de Stuart Gordon, que deve ser a própria reencarnação do escritor que voltou à vida apenas para adaptar seus trabalhos para o cinema.
Crawford Tillinghast (Jeffrey Combs, o ator mais “lovecrafitiano”) é assistente do pervertido Dr. Edward Pretorius (Ted Sorel), que trabalha em uma máquina chamada ressonador, capaz de estimular a glândula pineal e permitir a visibilidade de uma dimensão paralela, habitada de criaturas bizarras. A Dra. Katherine McMichaels (a linda Barbara Crampton) é chamada para ajudar nas investigações e resolve voltar à casa de Pretorius para provar a teoria de Tillinghast de que estas criaturas de outra dimensão mataram seu chefe. Destaque para a atuação insana de Combs – perfeito na sua maluquice – e a ótima maquiagem e efeitos, principalmente a concepção visual das criaturas criadas por Mark Shostrom. “Do Além” tem aquela pegada clássica dos filmes de Cronenberg, com a diferença que é regada a muita demência, fetiches sexuais e gore excessivo. Um Filmaço.
MENÇÕES HONROSAS
O Chamado de Cthulhu (2005): Dirigido por Andrew Leman, foi um trabalho que teve a produção da H.P. Lovecraft Historical Society e é considerado pelos fãs, o filme mais fiel da obra do escritor. Todo filmado em preto e branco.
Re-Animator (1985): Não entrou na lista porque é um verdadeiro clássico dirigido por Stuart Gordon. Obrigatório para quem ama cinema de terror ou Lovecraft.
O Altar do Diabo (1970): Outro filme dirigido por Daniel Heller. Mistura os enredos lisérgicos da década de 70 com seitas demoníacas.
Castelo Maldito (1995): Stuart Gordon mais uma vez. Segue uma linha mais de terror clássico sem qualquer traço de humor negro.
FILMES LEVEMENTE INSPIRADOS EM H.P. LOVECRAFT
À Beira da Loucura (1990): Carpenter presta uma ótima homenagem ao Mestre. Este com certeza ficaria feliz com o resultado final.
Evil Dead – A Morte do Demônio (1981): Ash libera os demônios depois de ler o livro dos mortos Necronomicon. Já vimos o nome deste livro em algum lugar?
O Último Portal: Tudo bem que está longe de ser um dos melhores trabalhos de Roman Polanski, mas a atmosfera não deixa de ser fiel a Lovecraft.
Alien – O Oitavo Passageiro: Toda a concepção do monstro como da espaçonave Nostromo criada por H.G.Ringer representa a essência do terror cósmico do escritor.
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