“Mister No Especial” é, sem dúvidas, o título mais atraente entre os lançados pela jovem editora 85. Publicação original da Sergio Bonelli Editore, traz histórias de Jerry Drake, veterano do exército americano que após vivenciar os horrores da guerra, decide muda-se para Manaus, em busca do idílio que a “natureza selvagem” representa.
Ambientada nos anos 1950, conta com os roteiros de Guido Nolitta, pseudônimo usado por Sergio em seu ofício criativo, que se destacam sempre pela representação mais fiel possível da realidade brasileira, nossos costumes, cultura e mazelas sociais; tudo embalado em tramas que colocam nosso herói em situações de perigo, como a provocar o homem que, ao vir para o Brasil, só queria paz.
Trata-se de uma leitura que empolga e traz toda uma carga de familiaridade. E não poderia ser diferente, pois Nolitta visitava com frequência nosso país e o conhecia muito além de qualquer estereótipo. Na série “Speciale”, buscava criar enredos mais incrementados, sem perder a essência do personagem. E neste volume, “Aventura em Manaus”, desenhada pelo sempre genial Roberto Diso e publicada originalmente em 1992 na Itália, alcança esse objetivo com louvor, ao explorar certa metalinguagem.
Afinal, no quadrinho, temos um personagem que ambiciona… Fazer quadrinhos! James Newman, um rico herdeiro americano, chega à capital amazonense com um objetivo muito específico: viver grandes aventuras e fortes emoções selva adentro, desbravando recônditos esquecidos da floresta como forma de inspiração para a tira em quadrinhos que pretende desenhar.
Para tanto, procura especificamente Mister No, de modo que este lhe sirva de guia pela viagem de barco que projeta fazer, subindo o rio Negro. A fama do nosso piloto o precede, e diante da oferta farta de dólares como pagamento, o arranjo entre os dois logo se faz. É quando Nolitta brinca com as expectativas que a trama cria neste ponto e muda o ritmo de uma história que prometia grandes lances.
Montada a equipe de expedição e comprado o barco, Newman vê os dias passarem sem grandes novidades enquanto aguarda: os reparos na embarcação, a compra de mantimentos, a vinda de insumos. O cotidiano sonolento e preguiçoso, marcado por noitadas com muita cachaça e o calor úmido dos dias, arrasta o grupo para algo bem longe do espírito tenaz vislumbrado pelo americano. Dias, semanas, meses. A certa altura, o americano entende que a paciência terá que ser maior que a valentia se quiser vencer os desafios da Amazônia.
O leitor também compreende a mensagem que Nolitta lhe transmite, como uma piscadela marota: a aventura da qual tanto gostamos nos gibis de “Mister No” estaria longe do mundo “real”. Mesmo que a movimentação inesperada no terço final da trama ponha a história “de volta aos trilhos”, o choque de realidade proposto pelo autor cumpre o seu papel.
E ainda sobra tempo para divertidos diálogos entre Newman e Mister No sobre a produção de quadrinhos. Impossível não rir, tendo em mente quem foi Sergio Bonelli, de frases como “Pode apostar o seu último dólar que diacho nenhum de editor vai abrir mão de meter o dedinho no personagem… Alguma coisa ele sempre vai querer colocar”.
No fim, quando nosso protagonista acaba sendo a referência para o herói que seu cliente americano tanto planejou desenhar, fica o gosto agridoce pela espera da grande aventura que jamais veremos, e que Mister No encarna tão bem em nossas fantasias.
Leave a Reply