Prepare-se para uma análise sem floreios de “Sousou no Frieren” (Frieren: A Jornada para o Além). Esqueça os elogios fáceis; vou dissecar por que essa obra, que parece ir na contramão de tudo que faz sucesso em seu gênero, conquistou prêmios e uma legião de fãs. A resposta, caro leitor, é tão agridoce quanto a própria premissa da história. E leiam até o final. A pesquisa para escrever esse post foi longo.
A obra de Kanehito Yamada (roteiro) e Tsukasa Abe (arte) não é sobre a grande aventura para derrotar o Rei Demônio. Essa parte já aconteceu. A história começa onde a maioria dos épicos de fantasia termina: com os heróis vitoriosos se separando. O foco é Frieren, a maga elfa do grupo, cuja percepção do tempo é drasticamente diferente da de seus companheiros humanos. Para ela, os dez anos da jornada foram um piscar de olhos. Para eles, foi uma vida inteira.
É aqui que a história fisga o leitor, com uma abordagem melancólica e introspectiva. A narrativa se desenrola a partir do arrependimento de Frieren por não ter se esforçado para conhecer melhor seus amigos enquanto eles estavam vivos. Sua nova jornada, décadas depois, é uma tentativa de refazer seus passos, de entender os sentimentos humanos que ela antes via como efêmeros e de lidar com o luto que se estende por séculos.
O Sucesso que Ninguém Viu Chegando
Você poderia pensar que uma história focada em nostalgia, arrependimento e na passagem lenta do tempo seria um fracasso comercial. Onde estão as lutas bombásticas a cada capítulo? Onde está o protagonista “overpowered” que grita seus ataques? Frieren subverte essa expectativa. O sucesso reside precisamente em sua quietude.
O “segredo” não é uma fórmula mirabolante, mas sim a coragem de ser diferente. A obra explora a condição humana através dos olhos de uma não-humana, questionando o que significa viver, amar e deixar um legado quando a morte não é um horizonte próximo. A magia e as batalhas existem, mas são quase sempre um pano de fundo para o desenvolvimento emocional dos personagens e para as reflexões de Frieren.
Vieses e Contrapontos:
- Suposição: “O público de mangá shonen só quer ação e pancadaria.”
- Contraponto: “Frieren” prova que há um enorme apetite por narrativas maduras e emocionalmente complexas dentro da demografia. O sucesso indica que o público estava saturado da fórmula repetitiva e ansiava por algo que o fizesse sentir, não apenas vibrar.
- Crítica: Seria a premissa apenas uma desculpa para um “slice of life” com skin de fantasia? Sim e não. Embora tenha o ritmo de um “slice of life”, a constante sensação de perda e o peso do passado conferem à história uma profundidade dramática que vai além do cotidiano. É um “slice of life” com o fantasma da mortalidade sempre presente.
Uma Estante Cheia de Troféus
O reconhecimento da crítica não demorou. A obra acumulou prêmios importantes que validaram sua abordagem inovadora:
- 14º Manga Taishō (2021): Um dos prêmios mais prestigiados da indústria, votado por livreiros de todo o Japão.
- 25º Prêmio Cultural Osamu Tezuka (2021): Venceu na categoria “Novo Criador”, um selo de qualidade que homenageia o “Deus do Mangá”.
- Prêmio de Mangá Kodansha (2023): Conquistou a categoria shonen, provando seu apelo dentro do público-alvo tradicional.
- Anime do Ano no Crunchyroll Anime Awards (2024): A adaptação do estúdio Madhouse não apenas fez jus ao material original, com uma animação primorosa e uma trilha sonora tocante, como também foi coroada a melhor produção do ano, ampliando massivamente seu alcance global.
O Gênio por Trás da Cortina
O autor, Kanehito Yamada, não era um nome amplamente conhecido antes de “Frieren”, o que torna o sucesso ainda mais notável. Ele não se apoiou em uma fama preexistente, mas na força de sua escrita sutil e profundamente humana. A ilustradora, Tsukasa Abe, complementa a narrativa com uma arte limpa e expressiva, capaz de transmitir a beleza etérea do mundo e a melancolia contida de Frieren em um único painel. A sinergia entre o roteiro minimalista e a arte delicada é fundamental para o tom da obra.
Em suma, o fenômeno “Sousou no Frieren” não é um mistério impenetrável. É o resultado de uma aposta ousada em uma narrativa introspectiva, que troca a adrenalina pela emoção e a ação desenfreada pela reflexão. O segredo, afinal, era simples: contar uma boa história, com personagens complexos e um tema universal – o tempo e as memórias que deixamos para trás. E, vamos ser sinceros, ver um elfo com problemas de procrastinação social é, por si só, genial.
Meu Obrigado (a parte em que eu agradeço e te cutuco):
Obrigado por dedicar seu precioso e finito tempo à leitura desta análise. Se você chegou até aqui, parabéns, sua capacidade de atenção é maior que a da maioria.
Espero que o texto tenha servido para questionar algumas ideias prontas sobre o que faz uma história de fantasia ser boa. Agora, a parte divertida: vá ler o mangá ou assistir ao anime e depois volte aqui para me dizer nos comentários onde exatamente eu errei. Ou, quem sabe, para concordar. Mas discordar costuma ser mais interessante.
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