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Invasão e a péssima mania de encadernar histórias incompletas

Eu era uma criança inocente no início de 1990, quando a abril lançou Invasão no Brasil. Lembro que aqueles alienígenas amarelos de dentes enormes e círculo vermelho na testa me impressionaram bastante. Era a descoberta do Todd McFarlane, e todo menino fica embasbacado com os desenho do cara. Somos inocentes, como crianças que admiram Rob Liefeld.

O lance é que, na época, folheei o gibi mas nunca o li. Restava na minha memória apenas uma áurea estranha, quase nostálgica. Quando a Panini anunciou seu relançamento numa versão capa dura e por um preço, incrivelmente acessível (apenas R$53 por quase 260 páginas), tratei logo de corrigir essa incoerência histórica em minha cronologia de leitor e devorei o gibi.

Hoje, a primeira impressão que tive é de que Todd McFarlane, famoso por seu trabalho posterior em Homem Aranha e por criar Spawn, que estava ali, praticamente estreando no mercado norte americano, era muito pior do que poderia lembrar. Não me entendam como um velho chato (tenho apenas 36!), mas McFarlane estava anos luz de ser bom como Bart Sears, o desenhista com quem divide o título. Pergunte aí para o leitor do seu lado se ele sabe quem é Bart Sears. Essa é apenas uma reflexão para dizer que o mercado age de maneiras estranhas, levando ao estrelato gente bem menos talentosa (e quando digo isso, estou falando apenas da qualidade de traço, ignorando aqui a narrativa explosiva e o faro empresarial que, notadamente, McFarlane possui).

No frigir dos ovos, quero apenas dizer que Bart merece mais holofotes por Invasão do que seu colega de gibi. É impressionante notar como o quadrinho melhora, significativamente, sua qualidade quando McFarlane se ausenta das páginas, pois sua anatomia e desing de naves e tecnologia é sofrível.

Dominion por Bart Sears, muito melhor que McFarlane

Mas do que trata o gibi? Como o título informa, é uma invasão à Terra. Várias raças alienígenas juntam-se para derrotar os meta-humanos da Terra e eles possuem objetivos obscuros para isso. A princípio, a desculpa é erradicar a vida humana do universo, pois trata-se de uma raça muito hostil e um grande perigo para a existência. Um motivo justo.

O gibi é dividido em 3 partes e eu poderia dizer que a primeira delas é muito boa, apesar dos desenhos do McFarlane. Se tivesse de pontuar numa escala de 10 apenas a parte 1, seria um 8 fácil. Isso porque nas quase 80 primeiras páginas a história foca nos Domínios, a raça à frente da coalizão alienígena contra a Terra e em como eles planejam seu passo a passo.

É interessante conhecer um pouco desses seres que formam certa galeria galática do universo DC e como eles se arranjaram, uns cuidados de prisioneiros, outros determinados à parte militar da invasão, outros como observadores e assim, criaram certa hierarquia. A coisa toda é contada de tal forma, que os super-heróis quase não aparecem na parte 1 (o Espectro vem aparecer na página 80 e o Superman só na parte 2, página 101)! Acho essa forma de contar muito corajosa e diferente.

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Pra vocês terem ideia, o Batman é menos que um coadjuvante na história toda, mostrando uma perspectiva diferente de como era o universo DC nos idos de 3 décadas atrás (aparentemente, o Batman se concentrou numa luta envolvendo uma crise dentro do asilo Arkham durante a Invasão, mas nada disso é abordado e a impressão que dá é que o herói nada faz de relevante neste quadrinho, simplesmente porque não voa e não pode participar de batalhas no espaço).

A conclusão da parte 1, com uma página de jornal do planeta diário com matéria explicitando a posição dos terráqueos diante da Invasão é realmente legal, e dá aquela gás pra ler o resto… mas é aí que começam os problemas.

Enquanto a parte 1 de Invasão funciona de forma isolada, apesar de fazer parte de uma dessas sagas editoriais que envolvem todos os títulos mensais da casa, estratégia que ficou insustentavelmente comum nos últimos anos, a parte 2 do quadrinho revela toda a fragilidade do encadernado. Quando a história vem para o chão e assistimos os heróis reagirem à investida alienígena, a gente se cansa de perceber que não sabemos o que diabos está acontecendo, isso porque fatos importantes estavam decorrendo nos títulos mensais e que não são explicadas neste encadernado.

A parte 2, que é a que trata da Invasão em si, sofre constantemente dessas ausências, e isso é muito comprometedor pois é justamente onde se concentra toda a parte que justifica o gibi, quer dizer,  a invasão alienígena e a reação dos heróis. Todo o aprofundamento das batalhas acontecem em seus respectivos títulos mensais e a segunda parte deste encadernado parece uma colcha de retalhos de mal gosto.

Felizmente, o gibi ainda consegue nos surpreender quando percebemos que o último terço do quadrinho é todo destinado para as consequências da Invasão, e tentarei não dar spoiler quanto à isso, apenas dizer que é bastante curioso notar que a série preocupou-se em focar em algo além da simples resolução de chutar as bundas dos alienígenas. Com isso, a revista volta a focar em um pequeno grupo de heróis liderados por ‎J’onn J’onzz (conhecido, na época da abril, como Ajax) e em como eles precisam viajar até o planeta dos Dominios para resolver os problemas que resistem na Terra.

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Apesar disso, a parte 3 não consegue se furtar completamente dos buracos na trama, com partipações sem nenhum aprofundamento, como as intenções de Lex Luthor em tentar ajudar os heróis, ou em porquê Superman não pode voltar pra Terra. O gibi acaba e o Super parece decidir viver no espaço, simplesmente porque não pode mais confiar em si vivendo entre os humanos, considerando suas “recentes atividades inconscientes”, como explica. Que raios de atividades inconscientes o Super fez? Se você quiser saber terá de procurar nos sebos os títulos mensais do azulão de quase 30 anos atrás, isso porque a Panini não se preocupou sequer em fazer umas notas de rodapé para contextualizar o leitor sobre várias acontecimentos importantes, ou mesmo personagens significativos à época e que hoje caíram no ostracismo.

Faltou um cuidado com o leitor atual e sobrou esperança na nostalgia.

Esse tipo de encadernado não funciona se não pensarem em apresentar uma pesquisa histórica, ou mesmo um trabalho mais cuidadoso e inclusivo de informações, até com páginas de outros títulos que possam apresentar de forma mais ampla os elementos importantes que que estavam acontecendo nos títulos mensais paralelamente à essas três partes que formam o encadernado.

Só pra ilustrar, é como se decidissem encadernar Crise Infinita e (SPOILER) não aparecer a edição em que a Mulher Maravilha mata o Maxxwell Lord, um dos vilões da saga, isso porque aconteceu no título mensal da Mulher Maravilha e não na minissérie especial em sete partes.

Como alguém decide fazer uma minissérie especial em 7 partes e matar o vilão em outra revista, aí encaderna tudo mas não mostra o que aconteceu porque se passou nas páginas de um dos mais de 50 títulos mensais da editora na época? Opa! Foi justamente isso que aconteceu no encadernado de Crise Infinita, lançada em 2015. Fica um buraco.

Mulher Maravilha matando Maxxwell Lord, em seu título mensal e não na série principal de Crise Infinita.

Crise foi só um exemplo, e a gente sabe que aconteceram muitos outros fatos importantes em histórias anteriores que precisariam estar em um encadernado para uma leitura mais prazerosa. E notem que falo em sentir satisfação na leitura, sentimento que é muito prejudicado porque a maioria dessas miniséries atuais não foram criadas para funcionarem sem as histórias paralelas. Tentem ler o encadernado da outra invasão da Marvel, a Invasão Secreta, ou até mesmo Guerra Civil. A coisa é toda esburacada e frágil.

É bem isso o que temos nesse tipo de encadernado de longas histórias, desde o início dos anos 1990.

Mega sagas, vocês estão errando há décadas! Melhorem, por favor!

Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos