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Janeiro Literário | Um Dedo De Prosa, por Malú Pôrto

Como vocês estão acompanhando, nosso Janeiro Literário tem espaço dedicado para autores divulgarem suas produções: seja a Segunda Poética ou os domingos com Um Dedo de Prosa. Neste último quadro,  já tivemos colaborações do Rafael Machado e do João Luiz Pikachu. Agora é a minha de vez de mostrar um pouco do que passa pela minha cabeça, embora eu não tenha a pretensão de ser considerada uma escritora (há apenas o desejo). Espero que apreciem.

 

Despertar

Malú Pôrto

O barulho foi tão forte que até eu, que dormia feito pedra e não me incomodava nem com os aviões que passavam baixo para pousar e decolar no aeroporto aqui perto, acordei. A sensação de medo tomou conta de mim e me apertei um pouco mais nos lençóis. Outro barulho apavorante cortou o céu e eu chamei a minha irmã, perguntando se ela estava acordada. É claro que estava. Se um alfinete caísse no chão atrapalhava o sono dela.

A minha irmã respondeu com um comentário sobre a força da chuva. Isso me fez prestar atenção no barulho da água caindo. Não estava parecendo muito forte. Só os raios e trovões estavam assustadores. Um outro “kabuuuuuuuuummmmmm” fez estremecer até as paredes da casa e eu não consegui segurar o gritinho de pavor. Parece até que o céu tá partindo ao meio!!

De repente ouvi gritos vindo da rua. Olhei para a minha irmã e saímos do quarto. Fomos caminhando devagar até a janela da sala, que nos deixava ver melhor a rua e o céu sem molhar muito a casa. Aparentemente, papai teve a mesma ideia, pois já estava lá abrindo a janela para ver o que acontecia. Os gritos continuavam.

Quando olhei o céu, pisquei algumas vezes para limpar a vista. Podia ser algum problema por causa do sono. Mas a imagem não mudava… Eu ainda tô sonhando? Acho que nós estamos – foi só o que papai disse e me dei conta que tinha falado em voz alta.

O problema era que parecia que o céu realmente tinha quebrado. Não é possível. O que dava para perceber era uma espécie de rachadura no negro da noite. Para além dos buracos não dava para perceber o que havia. Só manchas coloridas. Lembrei da aurora boreal e pensei que iria morrer sem realizar o sonho de ver o fenômeno ao vivo. Uma parte do meu cérebro me lembrou que eu estava vendo algo mais impressionante.

Cada vez mais pessoas abriam suas janelas pra ver o que estava acontecendo. Algumas saíam de suas casas para tentar uma visão melhor. Papai disse para a gente ficar dentro de casa enquanto ele ia olhar o que estava acontecendo e saiu, sob nossos protestos.

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Nesse momento, surgiu, das fendas no céu, uma pessoa. Sim, uma pessoa. Eu fechei os olhos, apertei as pálpebras, contei até 10 e abri. Ainda estava lá. Era uma pessoa que eu não sabia dizer se era homem ou mulher. Parecia pisar em alguma coisa e caminhar, mas só tinha o ar. Parecia longe, muito alto, mas ao mesmo tempo dava para ver os olhos e um desenho na testa. Eu só pensei que, considerando a distância, devia ser uma pessoa muito grande. Mas física ainda importava?

A pessoa tirou um instrumento não sei de onde e tocou. Eu pensei em berrantes, aqueles de boiadeiros. Mas outro nome me veio à cabeça: trombeta. Que nem na Bíblia. AH MEU DEUS. Eu já tinha lido a Bíblia inteira e lembrava do Apocalipse. Não não não!.

Aparentemente, a pessoa no céu queria me contrariar, pois parou de fazer barulho e então um monte de coisas começou a cair do céu. Pedras? Na verdade, parecia o próprio céu se despedaçando e despencando. Os pedaços eram bonitos e, como cometas, começavam a se incendiar durante a queda.

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Todos estavam calados, olhando. Atônitos. Eu vi meu pai, vi as pedras. O torpor sumiu e eu gritei para ele entrar em casa rápido. Nessa hora, todo mundo que estava na rua começou a correr, buscando abrigo para não ser atingido pelas pedras flamejantes. Eu também nunca tinha visto chuva de estrelas cadentes… O apocalipse é bonito. Um outro pensamento surgiu, recriminando-me por pensar nesse tipo de coisa em uma hora dessas.

As pedras atingiram o solo e ouvi mais gritos. Uma delas caiu na minha casa, mas no quintal. Deu pra ver que quebrou a parede da cozinha, mas nenhum de nós se machucou. O fogo começou a espalhar e eu, seguida pela mana e o papai, corri pra jogar água e apagar as chamas.

Então ouvi outro som de trombeta. Não pareceu vir da pessoa que estávamos vendo no céu, agora todo colorido em manchas. Quando acabou, não percebi nada acontecer. O que era mesmo que dizia na bíblia que ia acontecer? Um pouco depois, outro toque. Dessa vez, um ponto brilhante começou a vir em direção ao chão. Não consegui ter ideia de onde iria cair, mas graças a Deus, parecia ser bem longe. Graças a Deus. Graças a Deus, também, a gente iria morrer? Ah meu Deus, não faça isso, por favor. Nós vamos nos comportar.

Outro barulho da trombeta. Já era o quarto? Quando cessou, aconteceu uma coisa estranha. As estrelas perderam a cor. O ponto brilhante que caiu da outra vez era uma estrela, me dei conta. Ainda tinha estrelas no céu quebrado. E também a Lua. E o Sol. Dava pra ver. E todos perderam o brilho.

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Mais um toque. O que será que viria agora? Eu não lembrava bem quantos toques seriam. Sete? Tudo na bíblia era 7. Uma estrela apagada caiu do céu, também longe de casa mas bem mais perto que a outra. Não percebi nada acontecendo depois. Achei que tinha acabado quando uns bichos horrorosos apareceram. Algum tipo de inseto. Eu odiava insetos. Eles começaram a picar algumas pessoas, que gritavam. Outras eles deixavam em paz. Não atormentaram a gente e eu fiquei pensando no que isso significava. Somos pessoas boazinhas e escapamos do castigo ou muito ruins e não fomos marcadas pra ser salvas?

Parei de pensar quando ouvi o sexto toque. É, com certeza seriam sete. Dessa vez aconteceu assim que o som acabou. Quatro pessoas subiram ao céu, montadas em bichos que me fizeram pensar em cavalos, por falta de nome melhor. Os “cavalos” pareciam pisar no ar também, que nem a pessoa que eu via. Bom, devia ser um anjo. E esses eram os cavaleiros do apocalipse. Eu lembrava o que isso significava. Ia morrer gente. Não quis mais saber. Me encolhi no canto da sala, abracei as pernas e encostei o rosto nos joelhos. Fechei os olhos. Fiquei esperando, mas parece que não morri. Não quis olhar pra ver o que tinha acontecido com minha família.

Aí ouvi o som. A sétima trombeta. Barulho de coisas caindo, gritos, tremores. Eu continuava sem olhar. Até que o chão tremeu abaixo de mim. Senti a pancada…

E acordei. Eu não acredito! Era só um sonho. Eu nem sei dizer o alívio. Mas o alívio durou pouco quando eu percebi que tinha gente gritando, enquanto a nossa cachorrinha latia feito louca. A minha irmã não estava na cama. Levantei correndo e não tinha ninguém na sala. Papai me viu e gritou que estavam no quintal. Mamãe também estava lá. Notei que no sonho nem mamãe nem a cachorrinha existiam. Ainda estava abalada com o realismo do sonho, mas consegui me sentir pior vendo a cena que minha família observava… Um avião tinha caído na nossa vizinhança.

Quer ser alguém importante na história do mundo, mas tem preguiça. Costuma ser do contra, gosta de coisas fofinhas, nasceu pras artes e foi trabalhar com coisas chatas pra não estragar os hobbies e nem passar fome.