Todas as quintas-feiras, uma seleção de três títulos, entre quadrinhos e livros, com breves resenhas. Nesta coluna inaugural: Rugas, de Paco Roca; Nick Raider Vol. 1, por Ferrandino e Trigo; e A Cidade da Luz, mangá de Inio Asano.
Rugas, de Paco Roca (editora Devir, 106 páginas, preço sugerido R$ 60,00): É impossível ficar indiferente à leitura de “Rugas”. Esse brilhante trabalho de Paco Roca aborda o cotidiano de um asilo, para o qual nosso protagonista Emílio se muda em razão dos cuidados especiais que necessita na velhice.
Lá conhece Miguel, seu parceiro de quarto e quem lhe apresenta o lugar e seus habitantes: Juan, sempre repetindo as palavras; senhora Sol, em eterna procura por um telefone afim de chamar seus filhos; Antônia, que mantém sempre o bom humor enquanto coleciona os objetos mais inesperados; entre outros. A narrativa aborda com delicadeza (e inevitável traço de melancolia) os variados tipos internados no asilo, muitos deles inspirados em pessoas reais conhecidas por Roca.
A caracterização de cada um guia a primeira parte da obra e comove o leitor, envolvido com histórias de vida tão ricas em experiências, tomadas por anseios e lembranças e que sucumbem às doenças e declínio físico. Miguel e Emílio desenvolvem uma simpática amizade, que se fortalece à medida que os sintomas do Alzheimer em Emílio se agravam. Afinal, seu grande terror é a transferência para o “andar de cima”, onde ficam recolhidos os idosos inválidos ou com graves limitações. Mas como reverter o inevitável?
O grafismo de Paco Roca remete à linha clara, típica dos quadrinhos franco-belgas, embora mais rico em detalhes e expressividade. Os tons pastéis harmonizam com um enredo que discute a finitude humana com entendimento e resignação, espelhando uma visão agridoce da velhice nas falas de Miguel e seu deboche desconcertante frente às situações enfrentadas. Para ele, “a velhice é uma piada de mau gosto”, embora não se furte a ajudar Emílio, preservando sua dignidade mesmo no limiar da consciência.
Quadrinho forte, comovente, terno, “Rugas” figura como leitura necessária e, por quê não, recorrente, ao provocar um novo olhar sobre a vida. Antes que ela se apague de nós.
Nick Raider Vol. 1 (editora Mythos, 100 páginas, preço sugerido R$ 26,90): Em 2018, a editora Mythos lançou quatro séries limitadas de material da italiana Bonelli para testar a receptividade do público e decidir pela sua continuidade ou não. Hoje se sabe que duas delas ficaram pelo caminho devido às baixas vendas, sendo uma “Nick Raider”.
É uma pena. Criação de Claudio Nizzi, um dos maiores roteiristas de “Tex”, o título é focado nas investigações de Nick Raider, um agente do departamento de Homicídios em uma Nova York noventista, ainda com altos índices de violência, suja e perigosa. Uma publicação honesta, com pegada policial e atolada dos maravilhosos clichês do gênero.
Neste primeiro número, as testemunhas envolvidas com o caso de um poderoso mafioso, Joe Bonsanto, vão morrendo uma a uma, mesmo estando em esconderijos sigilosos. Restou uma viva. E é para protegê-la e levá-la em segurança para Los Angeles, onde prestará depoimento, que Raider é convocado pelo FBI, marcado pela suspeita de que haja um traidor em suas fileiras. A testemunha em questão é uma legítima femme fatale, que se entrega num jogo de sedução com nosso herói enquanto seguem viagem, sem desconfiarem que são monitorados pelos capangas de Bonsanto.
Este é só o começo de uma vibrante caçada, marcada por segredos e reviravoltas. O roteiro de Nizzi é direto e carregado de momentos charmosos, intercalados com longas sequências de ação. Já a arte de Mario Rossi é eficaz e dinâmica, sendo bem apropriada para o título. É, enfim, uma leitura prazerosa e bem vinda, que faz um belo par com “Julia Kendall” com sua proposta contemporânea e procedural.
A Cidade da Luz, de Inio Asano (editora Panini, 216 páginas, atualmente fora de catálogo): Inio Asano é um nome em destaque no Brasil pela publicação de “Boa Noite PunPun”, trabalho de fôlego que sai pela editora JBC. O autor, no entanto, já tivera outras obras lançadas por aqui, como é o caso de “A cidade da Luz”, título em volume único editado pela Panini.
Aqui, o mangaká apresenta um texto entre cruel, triste e filosófico, com vestígios de uma esperança cansada mas resiliente, ao tratar dos moradores de um imenso complexo de apartamentos, o “Asahidai High Town”, mas comumente chamado de Cidade da Luz devido à grande incidência de iluminação solar no local, outrora uma colina. A obra se estrutura na forma de pequenos contos, todos ambientados no lugar, em que os personagens se cruzam, introduzindo novas camadas a cada participação.
As duas maiores histórias, do assistente de suicidas e o bandido que busca a salvação pelo dinheiro, dão o norte na narrativa fragmentada. Há uma honesta pretensão de discutir subliminarmente aspectos da vida moderna, relações familiares e de traços da cultura japonesa ao longo das páginas, que se encerram numa epifania sobrenatural que une amor e redenção. “A Cidade da Luz” serve como uma boa porta de entrada para o trabalho de Asano e seu tipo favorito, o depressivo divagante.
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