Todo leitor conhece um ou outro autor que parece ser tratado como ilustre desconhecido pelo resto do mundo. Aquele escritor ou escritora a quem devota atenção especial, que lhe propicia uma experiência de leitura diferenciada e que indica aos amigos, conhecidos ou mesmo estranhos na primeira oportunidade que aparece. E mesmo não sendo citado por ninguém, você o coloca ao lado dos grandes gênios literários porque, na sua opinião, ele o é de fato. Para mim, esse escritor se chama Edgard Telles Ribeiro.
Conheci seu trabalho por acaso: um dia, vasculhando as prateleiras de uma livraria em busca de novidade após alternar por meses a leitura de Camus e Garcia Márquez, deparei-me com seu romance de estréia, O Criado-Mudo. Passei a vista por algumas páginas, gostei do estilo, sentei no chão do corredor e ali mesmo iniciei a leitura. E que prazer não foi ter, pelo acaso, descoberto um autor daquele calibre. Logo no seu primeiro livro publicado, Telles Ribeiro demonstra pleno domínio do labor literário, um encaixe certo das palavras, uma prosa fluída, elegante, aliada a uma trama instigante… Saí da livraria com um livro debaixo do braço e uma nova paixão das letras.
No embalo de seu mais novo lançamento, Uma Mulher Transparente, decidi reler alguns de seus trabalhos, que pretendo resenhar aos poucos. O primeiro na fila de “reencontros” é As Larvas Azuis da Amazônia. Novela lançada originalmente em 1996 e que encerra nas suas cem páginas todas as qualidades que justificam meu apreço pelo escritor. Ambientada em uma pequena cidade sem nome, a narrativa é conduzida pelas vozes em primeira pessoa dos quatro protagonistas, que se alternam a cada capítulo na condução da história.
No primeiro capítulo, conduzido por Daniel, apresenta o contexto em que a trama se desenvolve: casado com Débora há pouco tempo, se muda com a esposa para a casa de seus pais, Tomás e Elizabeth, após sua mãe sofrer um derrame abruptamente. Essa reunião familiar repentina é forjada para que seu pai não enfrente sozinho a condição de sua companheira de tantos anos, agora reduzida a um corpo em estado vegetativo, permitindo por tabela que o filho, com essa economia por estar de volta à casa dos pais, possa montar um laboratório para suas invenções.
Engaiolados num ambiente minimalista, os quatro personagens assumem, numa espécie de ciranda, o protagonismo momentâneo conforme os atos se sucedem, expondo suas fraquezas, angústias e segredos como se falassem para si próprios, imersos que estão num cotidiano de silêncios perigosos. E os escapismos que cada um encontra é o motor dessa prosa primorosa. Trabalhando com um pano de fundo que parece arrancado do universo pervertido de Nelson Rodrigues e costurado pela mão de Arthur Schnitzler, o autor é habilidoso na construção dos monólogos, dando personalidade e vida a cada fala.
Uma tarefa louvável, em vista da condição anunciada de um dos protagonistas. Elizabeth, do alto de seu estado vegetativo, nos leva pelo seu mundo interior que não se desligou da realidade em torno, observando de maneira cruel os destinos e desatinos que sua família persegue.
Contar mais detalhes do livro estragaria a experiência de leitura. Lançado pela Companhia das Letras, infelizmente o volume encontra-se fora de catálogo, mas vale a busca nos sebos e sites virtuais atrás de um exemplar.
Ele se movimenta ao meu redor com a liberdade de um felino. Desenhou uma jaula para nós, cujas grades percorre em surdina. No interior, o conforto do infinito. Nada interessa, a não ser a espera. Chego a achar que minhas entranhas apenas servem de arena para um drama alheio. Quando isso acontece, fico quieta em meu olho de ciclone, reduzida a cenário. Mas, logo, o vendaval me domina. E me atira longe. (p. 16)
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