Texto Thays Costa
Acabei de ler Ultra Carnem e já estava reflexiva sobre a podridão da humanidade, dominada pela ganância, egoísmo e outros sentimentos tão sórdidos quanto, aí ainda calhei de escolher como próxima leitura “Escuridão Total Sem Estrelas“. Apesar de nenhum dos dois livros retratar histórias reais, me deixaram ainda mais desiludida com a humanidade.
“Escuridão Total Sem Estrelas” é uma coletânea de quatro contos (olha outra coincidência com Ultra Carnem) que têm em comum o fato de trazerem um terror extremamente real, mostrando que pessoas comuns podem ser capazes de monstruosidades se expostas a certas situações, comprovando que “all monsters are human”.
O primeiro conto é 1922 e traz uma carta de confissão de Wilfred James, contando-nos detalhadamente como se deu a ruína de sua família, anteriormente composta por ele, sua esposa Arlette e o filho Henry.
Esta é uma história onde o egoísmo predomina e tudo começa porque Arlette, cansada da vida no campo, sonha em vender as terras que herdou do pai e ir para a cidade, porém Wilf abomina a ideia de trocar sua fazenda (que fora de seu pai anteriormente) para levar uma vida urbana, sentimento compartilhado pelo filho.
Motivado pelo egoísmo, Wif acaba deixando-se levar pelo “homem conivente” que habita em seu interior e elabora um plano para conseguir o que queria, porém o custo sai bem maior do que ele imaginou.
“Acredito que exista outro homem dentro de cada homem, um estranho, um Homem Conivente. E acredito que, em março de 1922, quando os céus do Condado de Hemingford estavam brancos, e cada campo estava coberto de Neve lamacenta, o Homem Conivente dentro do fazendeiro Wilfred James já tinha julgado minha esposa e decidido o seu destino.”
Depois da leitura possivelmente surgirá uma reflexão sobre até onde poderíamos ir para sobrepujar nossa vontade sobre os outros e como a maioria dos planos só é perfeito no terreno das ideias. Outra coisa legal desse conto é a referência à “Menina Má”.
O segundo conto é “O Gigante do Volante“, protagonizado pela escritora de romance policial para a terceira idade, Tessa Jean. Após uma apresentação comum em uma cidade vizinha, Tess passa por uma experiência aterradora que quase lhe custou a vida. Talvez por ainda estar em choque pelo que houve ou talvez porque a experiência tenha lhe transformado em outra pessoa, ela acaba tomando providências bem diferentes das sugeridas pelo bom senso e sua antiga personalidade e vai de encontro a uma vingança elaborada.
“Porque, vamos encarar, algumas pessoas podem achar engraçado ver uma mulher destruída. Principalmente em uma noite de sexta-feira. Quem lhe bateu, moça, e o que você fez para merecer? Mudou de ideia, de repente, depois de um cara gastar o tempo dele com você?“
Neste conto vemos Tess ponderar tantas coisas acerca de sua decisão, coisas que as mulheres aprendem desde cedo e que pesam muito na vida delas. Reflexões acerca de culpabilização da vítima, de como admitir ser vítima de uma agressão ainda poderia acarretar um estigma e ainda mais sofrimento, de como o machismo ainda é forte em pequenas coisinhas do cotidiano.
“Extensão Justa” é o próximo conto e é sobre um homem que num momento de grande dificuldade faz um acordo perigoso e sujo para conseguir sair daquele problema e às custas da ruína de alguém. Aqui, vemos o quanto a inveja, ambição e até ódio podem assumir rostos que julgamos amigos.
O último conto é “Um Bom Casamento” e nos deixa com aquela sensação de que não conhecemos realmente ninguém. Que anos e anos de convivência, de hábitos reconhecíveis não são nada, que as pessoas podem esconder seu verdadeiro “eu” ou práticas/índoles macabras apenas com um pouco de esforço e organização. Nessa, Darcy Anderson descobre que seu marido, o pacato contador Bob Anderson, tem segredos que ela gostaria de ter morrido sem conhecer.
“Dia após dia, os dois isolavam atrás de uma parede o que Bob era – sim, com tanta determinação quanto Montresor emparedara seu amigo Fortunato (…).”
Apesar de não ser uma história verídica, este conto é baseado na história real do Assassino em série BTK, cuja esposa não desconfiava de que o homem com quem dividira metade da vida era um assassino cruel.
“A insanidade dele era como um mar subterrâneo; havia uma camada de rocha sobre ela, e uma camada de terra sobre a rocha; e flores cresciam ali. Você poderia passear por aquele lugar sem nunca saber que as águas insanas estavam lá… Mas estavam.”
Acho que é desnecessário fazer um parágrafo para enaltecer as habilidades de escrita de Stephen King, porém devo dizer que mesmo sendo um escritor conhecido pelas descrições e pelos grandes romances, King também consegue feitos incríveis com os contos. Aqui estão quatro deles para nos provar.
A leitura é extremamente envolvente, os personagens são bem desenvolvidos e aprofundados, mesmo nas poucas páginas de cada conto, de forma que sabemos quais atitudes as personalidades de cada um seriam levados a tomar.
As histórias nos chocam bastante, especialmente por trazerem situações que qualquer um de nós poderia enfrentar. Este é o “mérito” do livro. Mostrar como pessoas comuns reagiriam em situações extremas ou de suma importância. O que seríamos capazes de fazer ou enfrentar nessas circunstancias?
“As histórias neste livro são chocantes. Você pode ter achado difícil lê-las em alguns momentos. Se foi o caso, posso lhe assegurar que também achei difícil escrever as histórias em alguns momentos.“
Apesar das histórias serem mais pesadas, a escrita e a forma como são narradas tornam tudo muito fluido e envolvente. Despertam nossa curiosidade ao mesmo tempo que nos chocam e surpreendem, proporcionando um verdadeiro mix de emoções por página.
A edição da Suma de Letras está lindíssima. Fazendo jus ao título, é toda preta, inclusive no corte, com apenas as letras da capa em um material mais brilhoso para ter certo destaque. Ela ainda traz um posfácio do próprio King falando um pouco de cada conto e de como surgiu a ideia para a concepção de cada um.
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