Texto por Thiago Ribeiro.
Twitter: @ThCR1988
Texto originalmente publicado no blog Balaio Cultural.
Lançada em 2006 nos Estados Unidos, e em 2007 no Brasil, a mega saga GUERRA CIVIL foi um verdadeiro marco não só para os heróis da editora MARVEL COMICS, como para a indústria em quadrinhos em si.
Os fãs realmente se dividiram em facções de apoiadores, levando em consideração o posicionamento do Capitão América, que prezava a liberdade individual e que os super-heróis agissem sem controle governamental, e o lado do Homem de Ferro, que entendia que seres superpoderosos deveriam ser responsabilizados por seus atos, sendo registrados pelo governo assim como é feito com policiais e bombeiros.
A história vendeu milhares de exemplares, tendo edições até hoje figurando no top 10 de vendas do século XXI.
A importância da mega saga foi tanta que o universo Marvel nos cinemas adaptou a história em CAPITÃO AMÉRICA: GUERRA CIVIL, tendo o mesmo cerne da discussão (controle dos ditos heróis pelo governo e conflito Capitão América x Homem de Ferro), mas com bem menos profundidade nos temas abordados.
Diante da possibilidade de aumentar as vendas de quadrinhos com o lançamento do filme, a editora Marvel resolveu o óbvio: chamar seu melhor escritor, na época, Brian Michael Bendis e providenciar uma sequência, GUERRA CIVIL II.
Foram aí que os problemas apareceram.
A mega saga chegou ao seu fim nas bancas brasileiras em março de 2018 pela editora PANINI COMICS, contando com 06 edições caprichadas, com papel LWC, Capa Cartão, lombada canoa, formato 17×26 cm.
Na primeira edição, os desenhos ficam por conta de Olivier Coipel, David Marquez, desenhista da saga completa depois da edição nº 01 brasileira, e Jim Cheung. Os desenhos tendem a agradar o leitor. Falando a verdade, a saga toda é belamente desenhada pelo artista David Marquez, só sofrendo com problemas sérios de continuidade. Por exemplo, a poderosa Thor sai voando em uma cena, mas está lado a lado com outros heróis logo no quadro em seguida ou o caso da máscara do Homem de Ferro que é despedaçada em um quadro para, no próximo, encontrar-se sem nenhum arranhão.
Porém, os problemas começam quando chegamos ao texto e pretexto para a malfadada GUERRA CIVIL II. É nítida a falta de controle editorial e direcionamento da saga escrita por Brian Michael Michael e desenhada por David Marquez, mostrando que a história parece mais uma encomenda da editora e não um argumento criado pelo autor.
Tudo tem inicio quando surge um inhumano, raça criada por Stan Lee e Jack Kirby, chamado Ulisses, e ele é capaz de prever o futuro. No momento que há o surgimento do inhumano, a heroína Capitã Marvel, Carol Danvers – personagem que a Marvel tenta a todo custo fazer decolar em popularidade, principalmente, por já ter filme na lista do universo cinematográfico, abraça a ideia que os poderes de Ulisses devem ser usados para prever crimes e defender a terra. Na edição 01 brasileira é mostrado o lado bom e ruim desse conceito extraído diretamente de Minority Report, conforme o próprio Bendis afirmou.
Os heróis vencem uma ameaça que poderia destruir a terra se eles não estivessem preparados. Porém, ao preverem o futuro acerca de outra ameaça cósmica (Thanos, em uma cena memorável, no mal sentido, onde o titã louco aparece armado até os dentes e com um canhão nas mãos), as coisas começam a desandar com a morte de um personagem e ferimentos quase mortais à outra.
Logo, a instabilidade das previsões leva o Homem de Ferro, Tony Stark, a questionar o porquê do uso dos poderes de previsão do futuro, já que eles mais e mais eram incertos e que, posteriormente, poderiam até mesmo levar à prisão alguém inocente.
Bem, é isso. Todo o conceito em torno da luta de heróis da Marvel se baseia nesse ponto chave, saber ou não o futuro, mesmo que ele seja incerto. E é aí que se revelam a falta de planejamento da editora e a pouca inspiração do texto de Brian Michael Bendis.
Há muita descaracterização dos personagens, forçando a acontecimentos totalmente sem sentido se o leitor vai ler apenas a saga principal, já que é política das editoras entupir os títulos mensais de histórias secundárias em torno do acontecimento do momento. O Homem de Ferro mais age como um louco desvairado, lembrando seus momentos de alcoolismo, do que como um cientista racional; a Capitã Marvel funciona mais como uma vilã birrenta do que como um lado que tem razão nessa guerra civil, e os outros personagens não sabem o que estão fazendo ali. Destaque para a participação mais gratuita de todas com os Guardiões da Galáxia aparecendo do nada para participar da saga.
Contanto com um texto pouco inspirado, mas com uma arte linda, apesar de pouco atenta nos detalhes, a nova guerra civil da Marvel mais serve como pretexto para colocar material em banca devido ao filme CAPITÃO AMÉRICA: GUERRA CIVIL do que para honrar o bom texto cínico e afiado de Mark Millar, escritor original da primeira história, na guerra civil original. Apesar do acabamento e dos belos desenhos, o leitor brasileiro pode se decepcionar com uma das histórias menos inspiradas e decepcionante da outrora casa das ideias.
O TEXTO ABAIXO CONTÉM SPOILERS, ABORDANDO PONTOS-CHAVES DA TRAMA.
A trama da 2º guerra dos super-heróis da Marvel tem seus momentos bons e outros pavorosos, inaugurando com uma das derrotas que mais ofendem a inteligência do leitor, a da Mulher-Hulk. Ver um hulk sendo abatido e deixado em coma por um simples míssil disparado mostra o quanto a saga GUERRA CIVIL II mais quer chocar do que desenvolver um bom texto. E como os Hulks sofrem nessa saga.
Apesar do julgamento da morte de Bruce Banner, o Hulk original, contar com bons diálogos, principalmente porque Brian Michael Bendis volta a escrever Matt Murdock, o Demolidor, o drama de tribunal dura menos de uma edição, fazendo o pesar pela morte de um dos personagens pilares da Marvel não ter qualquer efeito prático além de chocar na história, além de ter um dos piores argumentos feitos para justificar o motivo que leva o Gavião Arqueiro a mata-lo.
Porém, os erros não são só de narrativa, são também de repetição. O leitor atento vai se sentir enganado ao ter não duas, mas três páginas duplas contendo a visão do futuro do homem aranha Miles Morales matando o Capitão América Steve Rogers. Chega a ofender o leitor, mostrando que a saga não tinha conteúdo sequer para preencher o número mínimo de páginas da história.
E de encher linguiça essa saga entende. Nas edições finais, lembrando que a saga teve que ser aumentada nos Estados Unidos em uma edição do plano original devido às pressões editoriais para que o final fosse mudado, diversas páginas são jogadas, mostrando mais e mais futuras sagas da Marvel, não podendo GUERRA CIVIL II sequer se segurar como história fechada.
GUERRA CIVIL II é uma decepção em forma de saga, sendo o reflexo da editora Marvel após o êxodo de bons roteiristas que foram para a concorrência e para a editora IMAGE. Mostrando que nem um roteirista regular como Brian Michael Bendis e um bom desenhista como David Marquiz conseguem segurar um desastre encomendado.
1 Comment