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Sex Education brochou?

Depois de 3 temporadas onde o foco é o sexo e o humor, Sex Education chega ao fim focando no drama e nas resoluções de problemas, em meio a contratempos desnecessários.

Depois de 3 temporadas onde o foco é o sexo e o humor, Sex Education chega ao fim focando no drama e nas resoluções de problemas, em meio a contratempos desnecessários.

A quarta e última temporada de Sex Education tinha um problema que precisava resolver: como aprofundar os problemas e dramas dos personagens, chegar em algum clímax e conseguir concluir a série de modo satisfatório?

Como um sexo que se prologa demais, levando a um cansaço que impede um gozo catártico, a série contorna a eventual falta de tesão com uma noite de carinhos e abraços, se comparado ao que vimos nos anos anteriores. Até o humor da série, de certa forma, foi amenizado para se focar em outros aspectos dos personagens.

Enquanto assistia aos episódios, procurava enxergar quem seria o destaque desta temporada, já que Eric Effiong, Aimee Gibbs e Adam Groff, ao longo dos últimos anos, roubavam quase todos os olhares público, provando como personagens secundários podem ser a verdadeira alma do espetáculo.

Nesta perspectiva, a quarta temporada de Sex Education não conseguiu destacar um personagem porque todos eles precisavam encerrar suas participações, concluir seus ciclos, com menos dramas e mais resoluções, numa procura de finais felizes, na maioria dos casos.

Gillian Anderson (de Arquivos X), como Jean Milburn, sempre maravilhosa na série, quase ganha destaque na temporada.

O fato é que Sex Education, simplesmente, precisava acabar. O que poderia ser resolvido em 3 ou 4 tempos, mas o problema é que a temporada precisava de oito novos episódios, então foram apresentados novos cenários e novos personagens com seus novos problemas, procurando prologar o coito… mas o sexo já não era o mais importante agora.

Nesse contexto, os personagens saem do ensino médio, vão pra outras escolas, ou começam a trabalhar e somos apresentados a esses novos contextos, uma experiência relativamente frustrante para o público, já que sabíamos que não poderíamos nos apegar a isso porque, desde os trailers, sabemos que se tratava de um “season finalle”.

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Então somos apresentados ao casal Abbi Montgomery (uma mulher trans) e Roman (um homem trans), a dupla mais popular de uma escola Cavendish, onde os alunos praticamente determinam a agenda super progressista e inclusiva. O tipo de escola que qualquer meritocrata de direita odiaria do fundo de sua alma.

Roman e Abbi, o casal mais popular de Cavendish, a escola “perfeita”.

Confesso que nos primeiros episódios da temporada alguma coisa me incomodava naquela escola e eu cheguei a pensar se eu não estava sendo conservador demais por torcer o nariz para gente que abraçava árvores ou aplaudia o sol ou tinha aulas de yoga na escola. Até que, nunca pequena e discreta cena, Maeve Wiley, uma das protagonistas da série, reconhecida por sua dureza e pouco trato com as pessoas, não se sentiu confortável com o “normal” da escola (uma aluna passeando com um jarro de plantas como se fosse um bebê).

Minha estranheza com a escola e com o que aqueles novos personagens representavam só foi compreendida quando encontrei eco em uma crítica levantada por Isaac Goordwin, um personagem cadeirante que esfrega a hipocrisia de uma escola e de alunos que se apresentam como inclusivos e abertos à diversidade, e que investem recursos da escola em fazendas de abelhas, mas não consertam o único elevador que ele precisa usar para assistir suas aulas.

Isaac e Aimee se conhecem em um dos panes do elevador ruim de Cavendish

Aquela cena, no meu entender, mostra o quanto a esquerda hoje se ocupa de questões morais, estimulando certa positividade tóxica ao tempo em que ignora problemas estruturais do cotidiano. E era isso o que eu não estava entendendo, e era por isso que eu não estava gostando daqueles personagens que deveriam representar ideais que eu também defendo. É Sex Education olhando para o espelho, reconhecendo seus temas e expondo seus próprios problemas.

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Entretanto, nem tudo isso salva Sex Education de um último episódio de quase 90 minutos que lembra uma conclusão de novela da Globo, onde a trama seguia deslizando de uma cena para outra, destrinchando, um a um, todos os problemas de cada núcleo narrativo.

Houve surpresas? Talvez sim. No final, Eric Effiong, resolvendo seus problemas com a religião de forma quase mágica (no bom sentido) e Jean Milburn, resolvendo sua maternidade surpresa e outros problemas decorrentes, como a depressão pós-parto, têm certo destaque, quase como se a série fosse sobre eles e não sobre Otis Milburn, o protagonista que se encontra abandonando aquilo que o definiu desde o começo, apontando para o amadurecimento do personagem. Afinal, a vida, nossos amores e nossas pretensões profissionais, não são como a gente desenha no ensino fundamental.

Eric brilha na escuridão e recebe sinais divinos na quarta temporada. Só vendo!

O final de Sex Education é agridoce, focando mais no drama e fugindo do sexo e do humor sempre que possível, o que a distancia das três temporadas anteriores. Muitas questões ficam em aberto, algumas são simplesmente reticências da vida que em uma série não coube, outras podem ser entendidas como um furo no roteiro (afinal, o que houve com o irmão de Maeve?). É tão assim que, se a Netflix quiser fazer uma temporada surpresa ficaria tudo bem, ninguém reclamaria.

Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos