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“Virgens Acorrentadas” é uma delícia.

Ontem (dia 22/06) fui assistir ao filme Virgens Acorrentadas no Teresina Shopping e foi uma experiência muito legal. Fui porque queria conhecer Paulo Biscaia, o diretor do filme, e isso não é uma figura de linguagem, porque o diretor estaria, literalmente, na sessão. Aconteceria um debate após a exibição, uma experiencia interessantíssima poder conversar com um dos autores da obra logo após acabar de assisti-la.

Já escrevi aqui sobre minha surpresa com o Biscaia em relação à sua ligação com os quadrinhos e teatro através do grupo Vigor Mortis, então eu PRECISAVA aproveitar esta oportunidade. Assim que cheguei ao cinema, logo vi Douglas Machado (cineasta e curador do Cinemas Teresina) de bate-papo na bilheteria com o diretor, e foi logo adiantando-se em nos apresentar: “Aqui, Biscaia. Essa é a pessoa que te falei que estava lendo teu quadrinho quando o convidei para a sessão”. Sim, se você não acredita em coincidências, eu esperei anos pra tirar Vigor Mortes da prateleira da minha livraria para começar a ler e, curiosamente, na semana seguinte acontece nosso encontro: eu com o escritor do gibi e diretor do filme Virgens Acorrentadas.

Eu e Paulo Biscaia, após a sessão de Virgens Acorrentadas, depois de autografar meu Vigor Mortis.

Nós trocamos algumas frases e eu o presenteei com os meus quadrinhos do Máscara de Ferro e uns gibis do meu irmão. Expliquei mais ou menos o que era cada um deles. Ele precisou sair pra fazer umas fotos e me deixou com sua mochila. Que tipo de pessoa entrega sua mochila aos cuidados de alguém que acabou de conhecer? Douglas Machado deve ter falado bem de mim. Tomei a liberdade de guardar os gibis que havia dado para ele dentro da mochila.

Demorou um pouco e foram chegando pessoas conhecidas (Milton, Mestre Bob, Monteiro Jr…) e logo-logo fomos para a sala de cinema. Depois de uma rápida apresentação do projeto “Sessão de Debate” e da apresentação do convidado por Douglas Machado, Biscaia falou sobre a ótima receptividade que teve em Teresina, de seu desejo de querer voltar sempre, falou também das referências claras que há no seu filme, como o Massacre da Serra Elétrica, os “terrir” do Sam Raime e que, se alguém usasse o celular durante a sessão, alguém entraria com uma moto-serra para decepar uns braços. Ficamos todos com grande expectativa.

E o filme é uma grande surpresa. Cheguei a comentar com ele que o trailer, definitivamente, não vende o filme, não nos prepara. Ele meio que concordou, comentando que iriam começar uma campanha publicitária para o filme com um slogan que seria mais ou menos “não é o que você espera”, ou algo assim (minha memória falha).

O filme é sobre um roteirista de cinema que não consegue vender nenhum de seus textos para uma grande produtora, porque seus projetos sempre são muito caros, além disso, inviáveis poque ele não é um autor conhecido, nem seus filmes são remake ou continuações de uma franquia. Então, decide fazer por conta própria. Juntar os amigos, procurar profissionais e financiar o filme de forma independente.

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Biscaia comentou que esse tipo de produção de filme é muito comum e que fazer um filme “nas coxas” nos EUA não é diferente de fazer aqui no Brasil. O esquema é o mesmo. Só depende da vontade de fazer. Ele se recusou a falar sobre os custos do filme, mas alguém sugeriu que poderia ter custado uns 500 mil reais e ele caiu na gargalhada. Douglas perguntou quantos “Virgens Acorrentadas” poderíamos ter com todo esse dinheiro, mas pediu para Biscaia não responder, porque uma simples matemática aplicada revelaria o custo da produção. O fato é que você pode perceber que não é um filme caro. É basicamente: locação, atores, equipe técnica, vontade de fazer e sangue de mentira.

Amigos brindando o filme que irão fazer

Durante o filme, os atores falam da necessidade de juntar U$8mil para fazer sua produção e que, muito do pagamento dos atores ou financiadores envolvidos seria pago com percentual de venda do filme nas bilheterias. Eu diria que esse é um valor bem real, que o filme pode ter custado esses 8 mil dólares (uns R$30 mil), mas isso, de longe, não representa a relação custo/benefício: é um filme barato, mas muito caro de se assistir. Tem bons atores, boa direção, tecnicamente muito bem resolvido e um roteiro muito louco.

Virgin Cheerleaders in Chains. Virgens Acorrentadas.

Acontece que o filme que esses amigos resolvem fazer chama-se “Virgin cheerleaders in chains’, que seria traduzido como “Líderes de Torcida Virgens Acorrentadas”, um título muito apelativo, mas ideal para o tipo slasher movies onde o público, sádico, gosta de ver sangue, sexo e peitos. A “película” torna-se uma brincadeira metalinguística e realidade e filme começam a se misturar, numa experiência que só você vendo!

O filme foge dos clichês e brinca com eles. Uma das cenas iniciais é sobre o “protagonista” salvando o gato da vizinha presa no telhado. Após a sessão, alguém perguntou sobre o que saiu do filme no final da edição. Biscaia falou um pouco sobre isso e disse que, inicialmente, queria tirar a cena do rapaz salvando o gato. E eu fiquei uns 5 minutos tentando lembrar qual era essa cena do gato, de tão desnecessária que ela é. Lembrei, quando Biscaia fala que isso é uma piada metalinguística sobre escritores, citando o livro “Save the cat”, de Blake Snyder, um tipo de receita de bolo sobre elaboração de roteiros de cinema. “Salvar o gato” seria um pequeno ato de heroísmo que o personagem TEM de fazer nos primeiros 10 minutos do filme para que o espectador burro possa saber quem é o protagonista da porra toda.

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Nosso pequeno ato heróico. Ezekiel Swinford salvando o gato,

Só conto tudo isso porque acho que é realmente necessário sabermos desse tipo de história para pegarmos as referências sutis do filme, que se desenrola maravilhosamente entre o grotesco, uma edição gostosa e cenas delicadas sobre meninas conversando enquanto bebem uma taça de vinho.

Lembrando aqui que após a sessão, uma jornalista que estava na plateia comentou a perspectiva feminista, mostrando personagens fortes e a não exposição de nudez feminina no filme. Isso por si, já é romper com um clichê de filmes slasher! Biscaia confirmou que o filme procura sim essa virada, fazendo reverências ao protagonismo feminino, mas lembra que só não temos a nudez feminina esperada numa homenagem ao gênero porque não havia recursos: “Mostrar peitos sai mais caro do que não mostrar”. Por isso a personagem da atriz Elizabeth Maxwell, uma stripper, não aparece nua no filme, porque foi, provavelmente o cachê mais caro do filme, já que é uma atriz com certa notoriedade, relativamente famosa por conta de seus inúmeros trabalhos em dublagens de animês e jogos. Ela é responsável por vozes per personagens como Sae Niijima, de Persona 5, ou Major MOtoko em Ghost in the Shell ou de Ymir, de Attack on titan!

Então, é diversão garantida para todos que gostam de humor bobo sobre brancos que fumam maconha, strippers com mais conteúdo do que julga seu preconceito, cabeças decepadas, frases feitas e malditos machetes (que NÃO são facas).

Pra finalizar a sessão especial, Douglas comentou da necessidade do publico brasileiro, nós aqui de Teresina, especificamente, frequentarmos mais essas sessões especiais do cinema, sobre como é importante assistirmos algo além do Pantera Negra ou Guerra Infinita e Biscaia concluiu com uma informação que nem precisa de problematização. Ele disse mais ou menos assim: “Virgens Acorrentadas é um filme que existe apenas porque um produtor americano viu meus filmes anteriores. Filmes que foram premiados no exterior e que não ganharam nenhum prêmio no Brasil. Um produtor americano me chamou pra fazer seu filme, mas não recebi nenhum convite de produtor brasileiro”. Isso fala muito sobre nosso cenário, sobre como não valorizamos aquilo que nós temos. Para terminar, Biscaia disse: “Não que isso seja um problema. Tenho meus roteiros e vou continuar fazendo meus filmes”.

 

“Badasses” em Virgens acorrentadas

A Sessão com Debate foi uma pré-estreia. O filme deve estrear em, pelo menos,  20 salas em todo o Brasil, inclusive no Cinemas Teresina, dia 9 de agosto. A gente se encontra lá?

Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos