Novamente, Mark Millar se escora na qualidade de seu desenhista para vender um roteiro de série/filme, no que poderia ser um bom quadrinho. A Ordem Mágica diverte, mas, quando paramos para pensar, é vazia e muito forçada, como muito do que o quadrinista escocês vem fazendo nos últimos tempos.
Mark Millar tem uma fórmula para escrever quadrinhos! E o leitor que já teve contato com seu trabalho nos últimos tempos já percebeu o quanto hermética está sua escrita.
Quando da resenha de Crononautas, escrevi o seguinte:
“O leitor que já conhece o escritor Mark Millar já sabe qual é a fórmula de escrever do autor: ação cinematográfica, diálogos ágeis e tramas que prestam homenagem à cultura pop.
Ele já fez isso com Starlight, onde o grande homenageado foram os quadrinhos de Flash Gordon. Ele já fez isso em Superior, uma história do Superman de Christopher Reeves. Ele faz isso em O legado de Júpiter, abordando a era de ouro dos heróis e a mudança para uma nova geração mais violenta, como em O Reino do Amanhã.
Mas se engana o leitor que pensa que Millar presta essas homenagens simplesmente com o intuito de reverenciar a cultura pop. Vamos ser claros: o intuito é vender, e não só quadrinhos. Vender propriedades intelectuais de fácil acesso para o grande público que consome cultura pop, visando adaptações para o cinema e para a TV.”
Bem, leitor, A Ordem Mágica não nasce com o intuito de vender um produto para ser adaptado para outro meio. Ele SÓ NASCE POR ESSE MOTIVO! Podemos perceber isso pelo logo da Netflix estampado na lombada da edição brasileira da Panini. Sim, a gigante de Streaming, após ter comprado quase todo o Millarworld, investe também em quadrinhos, sendo seu primeiro lançamento A Ordem Mágica.
Vender quadrinhos e ter controle sobre suas adaptações é uma atitude louvável, sejamos claros. Artistas como Jack Kirby não receberam o mínimo do dinheiro e reconhecimento que suas criações, como Capitão América e Vingadores, tiveram. Então, Mark Millar, ao lado de Robert Kirkman de The Walking Dead, nada mais é do que o retrato do criador do futuro, sendo o dono de sua obra, se afastando da Marvel e DC, que detêm o domínio do que é criado ali.
Porém, somente criar conteúdo (mais ou menos, e a gente chega lá já já) para vender ou ser adaptado não faz o roteirista ser eximido de críticas quando é preguiçoso e faz uma salada de situações já vistas à exaustão, como é A Ordem Mágica.
No quadrinho, onde a magia existe, famílias de magos cuidam da proteção do mundo físico e mágico, vivendo em segredo, já que tem empregos comuns, enquanto protegem a humanidade de monstros com claras inspirações lovecraftianas.
Porém, sob o comanda da Madame Albany, uma pária na Ordem, e a ajuda de um misterioso mago, a instituição de feiticeiros passa a ter seus membros assassinados um por um. Tudo isso porque o patriarca da Ordem, Leonard Moonstone possui o Orichalcum, um livro de feitiços da antiga Atlântida que já levou o mundo para duas guerras mundiais.
Sim, há muito de interessante em A Ordem Mágica. Seus personagens e suas motivações são interessantes. E é aí que Millar falha nesse momento. Por exemplo, as regras desse mundo mágico nunca ficam claros, já que nos é apresentado pouco e sugerido apenas de relance como funcionam. Isso pode parecer pouco, mas é a forma de desenvolvimento dos personagens e sua motivação, ou seja, pouco é falado.
Sendo bem sincero, apenas Leonard e Cordelia Moonstone são bem trabalhados aqui. Os momentos com os dois os fazem ser os únicos personagens realmente bidimensionais. A pressa de Millar em A Ordem Mágica está presente até nas duas viradas de roteiro (a identidade do mago misterioso e o desfecho do confronto), os quais o leitor já pode ver como se darão muito antes de acontecer.
E esse é só um dos problemas do quadrinho. A Ordem Mágica é um retalho de conceitos já vistos à exaustão por aí. É como uma colcha de retalhos de vários conceitos da cultura pop (Lovecraft, máfia, história de vingança, traição e Harry Potter) que Millar está acostumado a fazer em seus trabalhos recentes.
Só que em A Ordem Mágica ele se preocupa ao mínimo em desenvolver sua história, suas regras e personagens.
Bem, mas, como em uma série de TV, quando o roteirista é preguiçoso, um bom diretor pode salvar a temporada. E Olivier Coipel é o homem certo para isso. Se não fosse por ele, A Ordem Mágica só seria um amontoado de clichês preguiçosos. O artista francês extrai do texto de Millar o seu melhor. As cenas de ação, os truques mágicos e os personagens são muito bem trabalhados.
Coipel é o grande destaque aqui, fazendo o leitor imaginar aquelas cenas em tela. A Ordem Mágica cresce muito quando analisamos apenas a arte.
A edição brasileira da Panini é básica, contando apenas com as capas originais e alternativas, além da biografia dos autores. Nenhum extra ou editorial que mostre que esse é o primeiro quadrinho lançado pela gigante Netflix.
É uma pena que o criador de Os Supremos, Kick Ass e O Legado de Júpiter esteja entregando quadrinhos que são um amontoado de clichês preguiçosos. A Ordem Mágica tem um grande potencial (talvez, em uma segunda temporada), mas essa grandiosidade é muito por conta de Olivier Coipel, que assume o papel de um diretor que salva um roteiro bem mais ou menos.
Ficha Técnica
- Capa dura, com 176 páginas;
- Editora Panini;
- Lançamento em julho de 2019;
- Preço de capa: R$ 64,00;
- Tamanho: 17 x 26 cm.
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