A literatura russa clássica está associada no imaginário coletivo aos famigerados “tijolões”, romances vultosos como “Anna Kariênina“, “Guerra e Paz“, “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamázov“, que por vezes podem intimidar o leitor pelo milhar de páginas e a aura que carregam: profundos, filosóficos, densos, simbólicos; como se abraçassem toda a humanidade. Autor de alguns desses trabalhos, Liev Tolstói também foi pródigo em conceber peças finas de fôlego curto, que servem como uma excelente “porta de entrada” para os curiosos. Um exemplo é a novela “A Morte de Ivan Ilitch“.
E é interessante perceber como esta breve (e potente) novela, publicada originalmente em 1886, fale tanto… Sobre a vida. A vida dos que ficam, a vida de quem partiu; a vida dos que sabem e a vida dos que ignoram; a vida daqueles que sentem saudade e sofrem e a vida daqueles que se preocupam com herança e guardam rancores insepultos.
Tolstói abre seu trabalho anunciando a morte de seu protagonista. Longe de causar espanto a seus amigos, em vista de longa doença que vinha o torturando há meses, o óbito suscita boatos: quem ficaria com sua vaga no trabalho? Qual renda estaria deixando pra família?
É assim, pela mesquinhez que relega a natureza chocante e bárbara da morte ao escanteio das inconveniências sociais, que o autor revela sua abordagem sobre a índole humana, costurando em seguida os fatos da vida do pobre Ivan como prova de seu raciocínio.
Sabemos de sua família, do orgulho que provocava pela dedicação aos estudos. De seu empenho em construir uma carreira exemplar, procurando sempre bajular as pessoas certas e se espelhar naqueles que, no fundo, procurava almejar vida igual. De seus esforços em viver conforme regras rígidas de educação, moderação e disciplina.
Ainda que o casamento mal planejado abra espaço para atritos e desgastes, Ivan focava no trabalho e em sua carreira as suas melhores forças, visando respeitabilidade e segurança. Mas um simples acidente doméstico, que a princípio não causara maiores temores, acaba se tornando a raiz de todas as angústias possíveis. Uma dor, um incômodo no flanco, se transforma com o passar das semanas num grave problema de saúde, que arrasta o protagonista para uma espiral de pânico e desespero, ao sentir paulatinamente a morte se aproximar.
Tolstói mostra toda sua maestria narrativa ao concentrar uma infinidade de questões filosóficas em um texto relativamente curto, desnundando Ivan de todas as vaidades, interesses mundanos, preocupações corriqueiras. Diante do abismo definitivo, eleva-se a grande dúvida: qual o sentido de tudo? Uma obra fundamental, a ser lida e relida sempre.
Em domínio público, é possível encontrá-la pelas mais diferentes editoras, nos mais variados formatos. Inclusive em quadrinhos, lançado pela editora Peirópolis, com tradução do excelente Boris Schnaiderman, uma referência no tema. Outro destaque do mercado é a edição da Antofágica, que conta com ilustrações de Luciano Feijah e textos acessórios que enriquecem a experiência da leitura.
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