Não se iluda pelo início aparentemente banal de “A Espera” (Editora Pipoca e Nanquim, 252 páginas, R$ 69,90). Ambientado na Coréia do Sul, vemos o cotidiano de mãe e filha e um pouco da relação entre as duas. Morando no mesmo bairro, elas se encontram diariamente, revelando um vínculo forte realçado pela solteirice de nossa protagonista, uma escritora de sucesso, e pela viuvez de sua mãe. Os dias passam com os zelos e manias de cada uma, até que a notícia sobre o encontro, organizado pela Cruz Vermelha, de parentes separados entre as duas Coreias abala a idosa profundamente.
É quando nós, leitores, descobrimos seu passado, que se confunde com a História do próprio país, e da ferida aberta que a marcaria por toda a vida. Nesse ponto, a narrativa recua algumas décadas e remonta sua infância humilde nas montanhas ao norte da Coreia, quando os eventos da 2° Guerra Mundial acabam afetando os mais jovens, como seu irmão, obrigados a lutar pela Japão. Findo o conflito, o país atravessaria tempos conturbados, quando os espólios dos derrotados pela Aliança são disputados sob a ótica da Guerra Fria, estabelecendo-se as zonas de influência que dividem o globo praticamente em dois: comunista e capitalista.
Com os ânimos cada vez mais exaltados, em 1950 estoura a guerra que terminaria com a formação da Coreia do Sul e a do Norte. Em meio aos jogos de poder, a população do lado Norte inicia uma fuga desesperada rumo à zona controlada pelos Estados Unidos, gerando desencontros indeléveis entre irmãos; maridos e esposas; e pais e filhos, como é o caso da mãe de nossa protagonista.
Apartada de seu primogênito e separada do marido durante a marcha dos refugiados, seguiria em fuga, rumo ao Sul, sem imaginar que o estaria perdendo ambos para sempre. “A Espera” fala sobre as dores que uma geração inteira precisou suportar para seguir adiante, quando muitos ainda sonhavam que as famílias iriam se reunir novamente. Os desafios de recomeçar do zero, criar raízes onde eram estranhos, e buscar apoio naqueles que passavam pelos mesmos problemas são retratados através de um relato inspirado em tantos outros, colhidos pela autora.
Mesmo que se trate essencialmente de uma ficção, Keum Suk Gendry-Kim buscou inspiração em relatos pessoais, histórias de vida que o tempo parece em vias de apagar, uma vez que a tragédia segue dia após dia mais longe no imaginário social. Verdadeiro tributo àqueles que resistiram a dor da perda e tocaram suas vidas, (re)criando um país próspero, como se as terras ao norte lhe fossem de um casuísmo passageiro, “A Espera” nos leva a chorar e a refletir.
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