Em 2016, fomos apresentados à série Stranger Things, que nos trouxe um clima de Sessão da Tarde com elementos de horror. O seriado, um fenômeno de audiência, conseguiu trazer a essência daqueles filmes aos estilo Goonies e ET, com crianças vivendo aventuras, que se perdeu nos tempos atuais.
Tales From The Loop, mais uma criação sueca, é o RPG que capta o mesmo espírito, em um cenário de ficção científica puro.
Os Anos 80 Que Nunca Aconteceram
Criado e ilustrado pelo artista Simon Stalenhag(confira o Instagram dele) e pelo designer de jogos Nils Hintze, Tales From The Loop se passa numa década de 1980 revolucionada pela descoberta do efeito magnetrino, que por sua vez permitiu revolucionar os transportes e a criação de avançados e imensos aceleradores de partículas nos Estados Unidos e na Suécia. A robótica também sofreu grandes saltos e os robôs são bem comuns de serem vistos.
Mas, apesar desses avanços, os anos 1980 continuam a mesma coisa que conhecemos em nossa realidade. A história transcorreu da mesma forma, não existem carros voadores(os avanços se restringiram a cargueiros e ao uso militar). Então os carros, a moda e o entretenimento continuam intocados. Isso e os problemas da juventude. E os fenômenos estranhos. E os monstros. Fora tudo isso, tudo normal.
Apresentação
O livro de Tales From The Loop é mais do que um bom RPG: ele tem ilustrações de encher os olhos e grandes referências oitentistas para ajudar os jogadores e mestres a entrarem no clima do jogo. Em várias páginas temos referências de filmes de sucesso, música, entretenimento(videocassetes, videogames da época… RPGs…). Tudo dentro do contexto das ambientações propostas.
De fato, as ilustrações são um caso à parte. Inclusive, suas ilustrações são a maior inspiração para Tales From the Loop: a arte de Simon sempre procurou contrastar um cenário bucólico da década de 1980 com máquinas saídas de um cenário de ficção científica. Após criar uma história para amparar suas ilustrações(que viralizaram na internet), elas serviram para inspirar esse jogo.
O artista impressionou tanto que até os Irmãos Russo, diretores de Guerra Civil e Guerra Infinita, financiaram o livro dele.
Duas Ambientações
Tales From the Loop traz descrições detalhadas de duas ambientações suburbanas: Suécia e Estados Unidos.
A ambientação sueca se passa nas ilhas Mälaren, onde o acelerador sueco foi instalado. Um grande gerador de empregos, ele fomentou o desenvolvimento local… além de ser o grande causador dos problemas que os personagens terão de resolver.
A ambientação americana se passa em Boulder, Nevada, e segue características similares à sueca(dadas as devidas proporções). O livro oferece uma descrição detalhada de ambos os locais, com enfase nos costumes locais.
Princípios do Jogo
Para entender o jogo, é preciso absorver seis princípios básicos:
1. Sua cidade é repleta de coisas estranhas e fantásticas
Apesar das coisas parecerem mundanas, os aceleradores de partículas romperam barreiras entre o normal e o fantástico: robôs e ciborgues existem e cientistas malucos criam portais que trazem criaturas estranhas ao mundo. E os jovens, que serão interpretados pelos jogadores, é que terão de lidar com esses problemas.
2. O cotidiano é chato e rigoroso
Todo dia os personagens acordam cedo, vão à escola e precisam fazer suas tarefas. Além disso, a maioria tem problemas em casa ou com os bullies na escola. Some isso aos hormônios intensificando tudo e você vê o quanto a vida é difícil. Se o jogador ainda está no raio de idade dos personagens, é algo fácil de se identificar. Mas mesmo que não seja, não é difícil de lembrar dos problemas.
3. Adultos estão sempre fora de alcance
E esse princípio complica os dois primeiros: não dá pra contar(completamente) com adultos. Eles já estão mergulhados em seus próprios problemas e nunca darão ouvidos aos personagens. De fato, boa parte dos problemas que os jogadores terão de resolver, foram causados por adultos.
Há exceções, claro, mas nada que afete muito os desafios. Estes, os jogadores terão de lidar sozinhos.
4. O Loop é perigoso mas os personagens nunca morrerão
E aqui está o grande diferencial do jogo: apesar dos inúmeros perigos, os personagens não correm risco de vida! Podem ser feridos, humilhados, sequestrados… mas mortos, nunca.
5. O jogo é conduzido cena a cena
Assim como nos filmes, não há transições, mas cortes: num momento, os personagens estão conversando e em outro já estão na escola. Isso garante dinamismo às sessões(chamadas de Mistérios aqui). E as cenas não são uma responsabilidade única do mestre, pois….
6. O mundo é descrito colaborativamente
…os jogadores dividem essa responsabilidade. Em muitos momentos, o mestre pode perguntar aos jogadores se eles tem alguma cena. Com isso os personagens descrevem o que querem fazer e onde, e o mestre apenas dá os toques, descrevendo o ambiente e os acontecimentos, preparando o cenário para o personagem agir.
Tales From the Loop estimula uma parceria entre mestre e jogadores raramente vista em outros jogos, com este princípio.
Sistema e criação de personagens
Se você conhece (ou leu nosso texto sobre) Mutant: Ano Zero, então vai se alegrar em saber que o sistema é o mesmo. Diferente dele, os atributos mudam um pouquinho mas a essência é a mesma: body(agilidade e destreza), tech(habilidade para entender e lidar com máquinas), heart(habilidade relacionada ao carisma e empatia) e mind(relacionada à inteligência, racioncínio e compreensão).
O jogo ainda conta com o atributo sorte, que é definido pela idade do personagem: quanto mais jovem, mais sortudo é. Quando se é mais velho, pode-se ter mais atributos, mas o personagem conta com menos sorte(mínimo de 12 anos e máximo de 16, quando o personagem não pode mais ser jogável).
Outra mudança se refere aos tipos de personagens. Aqui escolhemos entre estereótipos adolescentes. Entre eles, temos:
- Bookworm: NEEEEEEEERD!
- Computer geek: NEEEEEEEERD(2)!
- Hick: o caipirão, que sabe mexer com coisas que a maioria dos garotos não conseguem.
- Jock: o atleta.
- Popular kid: adivinha….
- Rocker: hard rock e heavy metal guiam a sua vida.
- Troublemaker: o rebelde.
- Weirdo: o esquisitão.
Cada um deles tem atributos e perícias chaves e escolhas de objetos importantes, um problema(que, se resolvido, deve ser substituído por outro), uma motivação, um orgulho, detalhe sobre seu relacionamento com outros de sua idade e com NPCs(útil para o estabelecimento de cenas), uma âncora(anchor, pessoas que sempre trazem acalento ao personagem) e nomes típicos(tanto em sueco quanto em inglês).
O papel do âncora é importante porque, ao invés de pegar dano, os PJs sofrem de condições. Quando falham ao entrar numa Encrenca(Trouble, os momentos de ação e conflito no jogo), eles acabam sofrendo com condições que causam penalidades a eles. Essas penalidades são curadas com momentos envolvendo os âncoras, que pode ser um amigo ou pai/mãe compreensivo(a).
Fora isso, tudo funciona da mesma forma: os testes são feitos em função de atributos e perícias e com dados de seis faces. Cada seis é um sucesso e só é necessário um na maioria das situações; sucessos extras trazem bônus às ações.
O livro oferece muito suporte para ajudar mestre e jogadores a criar seus personagens. Além disso, o livro já traz uma série de Mistérios que levam um ano na vida dos personagens, divididos entre as quatro estações do ano.
Não é à toa que o jogo já venceu vários prêmios ENnie, em CINCO categorias diferentes(Melhor Jogo, Melhor Arte Interior, Melhor Ambientação, Melhor Escrita e Jogo do Ano) em 2017.
E no Brasil?
Até o momento, não se sabe se há alguma editora interessada em lançar o jogo aqui. Um cenário que pode mudar, já que a Amazon havia anunciado a produção de uma série baseada no jogo. E com o showrunner de Legião no comando, podemos esperar algo grande!
Abram os olhos, editoras!
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