A aquisição da Fox pela Disney está agora efetivamente e oficialmente concluída. O interesse da Disney em comprar a Fox surgiu pela primeira vez no final de 2017, mas a complexa transação sofreu mais de um ano de reviravoltas, dificuldades e tribulações, enquanto os espectadores, fãs e especialistas continuaram a especular sobre as ramificações que o acordo poderia ter em certas franquias. A Disney teve de lidar com várias ofertas rivais da Comcast, mas a Casa do Mickey sempre pareceu mais propensa a fazer com que o negócio ultrapassasse a linha e, no verão americano de 2018 e 71 bilhões sobrando, eles foram mais uma vez o único concorrente na corrida para adquirir a Fox e seus ativos.
É um acordo complexo e tedioso. Precisa passar por uma aprovação legal detalhada. Acionistas ficam lendo pilhas e pilhas de papéis até que cada um fique satisfeito, isso levou um ano pelo menos como dito acima, mas as duas partes acabaram apoiando a aquisição e a aprovação foi concedida pelo Departamento de Justiça Americano, ainda sujeita a certos termos, bem como ao Brasil e ao México no início deste mês. Em 12 de março, foi anunciado oficialmente que o acordo seria finalmente fechado às 12h02, horário do leste americano, em 20 de março de 2019.
Uma das etapas finais e mais demorada desse longo processo é a distribuição de ações da Fox. Quanto os acionistas ganharão, onde eles optarão por receber dinheiro ou se preferiram receber ações da Disney. O acordo (leia ele na íntegra) confirma que todas as “ações emitidas e em circulação” foram pagas e também afirma que “21CF” e “Fox” agora são listadas separadamente como empresas independentes de capital aberto. Empresa de capital aberto é uma sociedade anônima cujo capital social é formado por ações — títulos que representam partes ideais — livremente negociadas no mercado sem necessidade de escrituração pública de propriedade (por parte da pessoa física compradora).
Naturalmente, há argumentos positivos e negativos em relação a essa importante mudança na indústria cinematográfica. Por um lado, muita gente está compreensivelmente entusiasmada com a perspectiva da poderosa Disney adquirir certas propriedades-chave. Um dos mais acalorados debates é o retorno das franquias X-Men e Quarteto Fantástico para a Marvel Studios. Isso abre o caminho para que esses personagens icônicos da Marvel finalmente façam sua aparição no UCM e muitos acreditam que essa antecipação está prejudicando o lançamento da Fênix Negra. Mas na verdade, são mais de 30 franquias que o Mickey agora é o dono. Eu explicarei cada uma num texto em breve.
O oposto disso, são alguns fãs e espectadores que estão alertando que ter tantas propriedades de mídia coletadas sob a mesma empresa, neste caso a Disney, será prejudicial para a indústria cinematográfica como um todo. O argumento deles é que à medida que grandes estúdios continuam a ser comprados por outros grandes estúdios, a competitividade e a diversidade do negócio começam a ser prejudicadas, além disso, trazendo uma injustiça aos estúdios menores que precisarão lutar para causar um impacto contra seus concorrentes mais ricos.
E sobre essa perspectiva, já que sou o mais negativos dos homens, vamos conversar um pouco sob esta ótica a partir daqui.
É UM NEGÓCIO QUE MEXE COM O EMPREGO DE MUITA GENTE
Durante as fusões, diversos profissionais perderem seu emprego é inevitável, quando as empresas envolvidas estão na escala da Disney e da Fox, para alguns especialistas desse setor previam algo como um banho de sangue para os funcionários da Fox.
Um artigo de outubro de 2018 do The Hollywood Reporter citou afirmações de executivos da Fox de que “generosas indenizações” seriam oferecidas àqueles trabalhadores que estavam prestes a serem demitidos, mas não teve informações sobre quantas demissões eram esperadas. O ex-CEO da 20th Century Fox Film Stacey Snider comentou em uma entrevista à Variety como esta situação estava sendo estressante para os muitos funcionários da Fox, já que ficar esperando quase um ano para saber se vai ser despedido ou não causou problemas dentro da empresa.
Com base ainda em dados pesquisados pelo HP, existe uma previsão de 4.000 demissões de uma base de 22.000 funcionários em todo o mundo (a Disney, para fazer uma comparação, tem cerca de 201.000 funcionários em todo o mundo). Mas esse número pode ser bem maior.
As demissões nessa escala não acontecerão de uma só vez. A coisa pode demorar semanas ou até meses. Isso é muito tempo para que os funcionários esperem para descobrir seu destino, e é um passo negativo para a indústria colocar tantas pessoas no olho da rua. Existe um custo humano, existe um negócio desastroso para mães e pais de família que depende desse emprego e muita gente não está se importando muito com isso. O foco é saber se o Wolverine vai ou não aparecer em Vingadores.
A MUDANÇA DO CALENDÁRIO ANUAL DE LANÇAMENTOS
Escolher a data correta de lançar um filme pode ser o sucesso ou fracasso financeiro de uma franquia. A Disney já está tendo dificuldade em distribuir sua infinidade de filmes e franquias pelo calendário e janelas de lançamentos; O Dumbo será lançado no dia 29 de Março, apesar de ter sido concluído e poderia facilmente ser lançado no final de 2018 – ele só foi adiado para evitar confrontos com O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos e O Retorno de Mary Poppins. De qualquer forma, a Disney não é muito de lançar seus filmes perto um do outro. Em 2019, eles terão apenas cerca de nove títulos para o cinema (sem incluir as propriedades da Fox). Compare isso com a Universal Pictures, que terá 15 títulos lançados este ano, enquanto a 20th Century Fox tem 13 títulos programados, incluindo os repetidos X-Men: Fenix Negra e Novos Mutantes. O cronograma de lançamento como o conhecemos será renovado. E isso provavelmente não será uma coisa boa.
Se a Disney só tem que competir com eles pela supremacia das bilheterias, então eles têm muito menos incentivo para produzir mais ou um conteúdo variado. O modelo de conteúdo da Disney é limitado, nunca perceberam? Este é o estúdio que construiu uma marca sustentável de décadas sem lançar filmes classificados como R-rated. Historicamente, eles levam filmes como essa classificação para a Touchstone, e é improvável que eles matem todos os filmes da Fox que ainda precisam ser lançados, talvez isso não seja uma prioridade para eles, principalmente a franquia Alien. James Mangold, diretor da Logan, foi um dos muitos a expressar preocupação de que a fusão limitaria essas oportunidades de contar histórias, já que elas não se encaixam na marca da Disney.
Será que os filmes de animação da Blue Sky Studios que pertence a Disney agora, terão investimentos? Já que a Disney e a Pixar acabam de se tornarem ícones indiscutíveis da animação americana e, com certeza, não querem nada em seu caminho. O problema da superlotação usando a marca Disney pode ser facilmente resolvido se eles continuarem a focar sua atenção em suas marcas mais populares, a maioria das quais já eram deles. Agora imagina esse mesmo problema indo para programas e séries de TV.
Este enigma se estende às propriedades rentáveis que a Disney terá a partir de agora, como o restante das propriedades da Marvel. Esse aspecto tem sido a parte mais empolgante para muitos fãs e a área que atraiu as reportagens mais entusiasmadas, mas muito disso ignorou a realidade dos negócios. A Marvel já tem sua próxima fase planejada e então o que vier dos X-Men e O Quarteto Fantástico terá que ser ajustado para se adequar a isso, no caso, a coisa só terá definições apenas em 2021. Considerando que a Marvel Studios já está lançando três filmes por ano, algo quem em alguns anos vai saturar o mercado, há um limite para a expansão.
O DOMÍNIO DA DISNEY CAUSARÁ UM IMPACTO NOS FILMES QUE VOCÊ ASSISTIRÁ
Uma maneira pela qual o calendário será mudado é em como isso afetará os cinemas. Ao contrário da maioria dos estúdios, a Disney exige um corte muito maior das vendas de ingressos para seus filmes e também é a mais rígida em termos das condições que impõem aos cinemas, tanto independentes quanto multiplex. Por exemplo, a Disney exigiu um enorme corte de 65% nas vendas domésticas de ingressos de Star Wars: Os Últimos Jedi. Normalmente, os estúdios pedem entre 50 e 60%. Eles também exigiram que os cinemas mostrassem o filme por no mínimo quatro semanas e o fizessem em suas melhores e maiores telas. Exigente? Que isso… Aqueles que não cumpriram, perderia o contrato de passar os filmes da empresa. Ela basicamente faliu os cinemas de médio e pequeno porte em diversas cidades dentro e fora dos Estados Unidos. Ainda falando de Os Últimos Jedi, muitos cinemas decidiram simplesmente não exibir o filme – a maior bilheteria de 2017 – porque nunca valeria a pena. Correntes internacionais seguiram o exemplo. No Brasil, muitos cinemas boicotaram o filme da Pixar, Viva – A Vida é uma Festa, depois que a Disney exigiu a maioria das vendas de ingressos. O filme foi exibido em menos telas como resultado, o filme da Sony, Jumanji: Bem-vindo a Selva, se tornou um dos maiores títulos de bilheteria de 2017.
Esse nível de controle sem precedentes sobre o mercado e o calendário de lançamentos anuais beneficia enormemente a Disney, mas não os cinemas que exibem seus filmes, e eles não terão opções para planos B e C para oferecer se as exigências da Disney forem complexas como sempre são.
MONOPOLIZAR UMA MÍDIA NÃO É BOM PARA O PÚBLICO E OS NEGÓCIOS
É um desafio quase intransponível para qualquer negócio, grande ou pequeno, competir contra um gigantesco monopólio de entretenimento. Tom Rothman, presidente do Sony Pictures Motion Picture Group e ex-co-presidente da Fox Film Entertainment, disse que a compra da Disney-Fox seria perigosa para a cultura porque “a consolidação sob ordens corporativas gigantes raramente promove riscos criativos”. Esse é um problema que vários criadores de conteúdo citaram nos últimos anos em relação a seus possíveis futuros acordos com a Disney-Fox. Ryan Murphy, um dos homens mais poderosos da indústria e o cara por trás de diversas franquias de sucesso como American Horror Story, disse à THR que a fusão foi uma das razões pelas quais ele decidiu assinar um acordo de exclusividade com a Netflix, citando como tal sistema poderia limitar o tipo de risco assumido.
Os monopólios têm um efeito de gotejamento que afeta todo o ecossistema em que eles habitam. Um efeito colateral do ciclo interminável de tais monopólios forçará as empresas menores a considerar a consolidação de seu poder e o agrupamento para combater o fogo com fogo. Empresas menores como a Lionsgate e a MGM, além de produtores independentes e distribuidores como Annapurna e A24, nunca conseguiriam competir com a Disney em seu nível, mas agora podem até se esforçar para competir em seus próprios termos. Já vimos a A24 fazendo acordos com a Apple, por exemplo. A Disney provavelmente não investirá muito dinheiro em dramas ou suspenses de pequeno a médio orçamento, como a A24 ou Annapurna investe, então o público precisa de alternativas além o que a marca Disney pode oferecer. Muitos cinéfilos já se queixam de que a marca está sobrecarregada de franquias, sequências e blockbusters.
O controle monopolista da Disney sobre o mercado poderia afetar seriamente a impressa. Para os jornalistas e críticos que simplesmente tentam fazer o seu trabalho, é uma grande preocupação ter o destino de sua carreira comprometido em saber se uma empresa acha que você foi legal o suficiente para eles. Em novembro de 2017, a Disney notoriamente proibiu o Los Angeles Times de assistir à exibição de seus filmes em retaliação à cobertura que o jornal fez sobre a influência política da Disney em Anaheim, onde a Disneylândia está localizada. Eles, depois de uma reação maciça da crítica e da imprensa, muitos dos quais ameaçaram boicotar o estúdio, voltaram atrás (lembra até um certo presidente), mas a ameaça permanece sempre presente para muitos críticos e jornalistas.
Qualquer fã de cultura pop precisa ser sensato, a maioria não sabe muito bem como isso funciona, porém, parte de ser um amante da cultura pop é a necessidade de estar consciente do que consumimos e do contexto que a envolve, o monopólio da Disney é algo que merece uma análise mais detalhada de todos os cantos.
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