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Tchekhov: Modo De Usar

Eu sei, eu sei: você, caro leitor, chegou ao texto ansioso por um ensaio provocador e audacioso que relacionasse nosso amigo russo Anton à obra de Georges Perec. Mas não alimento tamanha ousadia (ainda).

Por ora, busco tão somente instiga-lo a conhecer melhor o homem que elevou o estilo narrativo do conto a outro patamar e se dispôs a escrever de modo lapidar, construindo textos com a precisão exata de cada palavra acolhida.

Nascido Anton Pavlovitch Tchekhov em 1860, numa pequena cidade ao sul da Rússia. Cresceu sob o julgo paterno até os 16 anos, quando a família se mudou para Moscou o deixando na cidade de Taganrog por mais três anos, a afim de que concluísse seus estudos ginasiais.

Foi ali o despertar do escritor. Meteu-se a escrever em profusão não apenas acertos literários, mas pequenas peças dramáticas, alimentando seu pendor pelo teatro (neste gênero, Tchekhov escreveria textos que se tornaram verdadeiros clássicos como A Gaivota e As Três Irmãs). Quando prestou vestibular para medicina, aos 19 anos, já ensaiava estilo próprio.

A prosa de Tchekhov procura alinhar uma objetividade narrativa com o desnudamento das motivações interiores de cada personagem. Destacando tipos miúdos do cotidiano russo, servos, pequenos comerciantes, funcionários do baixo escalão burocrático, o autor revelava medos e receios que povoavam o psicológico de seres demasiadamente humanos. Certa vez, discorrendo sobre sua forma de escrita, disse:

“Meu objetivo é matar dois pássaros com um tiro: descrever a vida de modo veraz e mostrar o quanto essa vida se desvia da norma. Norma desconhecida por mim, como é desconhecida por todos nós”

Nas palavras de Elena Vássina, Anton não se acha pregador da verdade, nunca sugere soluções para os problemas tão difíceis da vida, por isso, muitas obras não têm desfecho, terminam em reticências, como o fluxo natural da vida. Tchekhov é um daqueles escritores que detesta colocar os pingos no “is”, acreditando que a liberdade da interpretação de texto é um privilégio sagrado de cada leitor, participante ativo no ato da criação literária.

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Tendo enveredado pelos mais diferentes estilos, Tchekhov é um autor que merece tempo e atenção para ser apreciado da melhor forma. Felizmente, há muitas opções de preços e formatos disponíveis nas livrarias para o leitor brasileiro conhecer sua genialidade na prática, em especial seleções variadas de contos.

Dito isto, aponto a seguir algumas sugestões de leitura que perpassam seu trabalho tanto sob o espectro da prosa, seja curta ou longa, como a faceta jornalística, pouco exaltada, mas que merece igual atenção. Vamos aos livros.

.A Dama do Cachorrinho e Outras Histórias (editora 34, 368 páginas, preço sugerido R$ 64,00): Os contos breves, precisos e tocantes de Anton Pavlovitch Tchekhov revolucionaram a maneira de escrever narrativas curtas, tornaram-se mundialmente conhecidos e influenciaram os principais escritores que se dedicaram ao gênero depois dele. Grande parte da originalidade de Tchekhov reside no papel fundamental que desempenham, em suas histórias, a sugestão e o silêncio, a ponto de, muitas vezes, o mais importante ser justamente o que não é dito.

Esta é uma coletânea de trinta e seis de seus melhores contos, selecionados e traduzidos diretamente do russo por Boris Schnaiderman, que assina também o posfácio e as notas à edição. De “Nos banhos” (1883) a “A dama do cachorrinho” (1899), que dá título ao livro e encerra o volume, o leitor poderá acompanhar o desenvolvimento da arte deste escritor que sempre colocou o homem como centro de suas preocupações, e que via na literatura um instrumento para sua emancipação.

.A Estepe (História de Uma Viagem) (Companhia das Letras-Penguin, 144 páginas, preço sugerido R$ 29,90): Com esta obra, pela primeira vez Anton Tchékhov, aos 28 anos e já com vasta quilometragem como colaborador de jornais e revistas literárias, tentou produzir uma narrativa mais extensa. Tarefa desafiadora, mas, como se lê hoje, bem-sucedida.

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O subtítulo parece sintetizar a situação central: a viagem de um menino que parte para estudar em outra cidade e, para isso, percorre por alguns dias a vasta estepe russa. Mas também apresenta o caráter múltiplo do texto: um relato da experiência, uma narrativa ficcional, um estudo de tipos humanos, a pintura da natureza, além de retratos das atividades econômicas, das relações sociais e das mudanças de comportamento em curso.

.A Ilha de Sacalina (editora Todavia, 368 páginas, preço sugerido R$ 69,90): Até então inédito no Brasil e publicado pela primeira vez esse ano, trata-se de uma contundente denúncia do sistema prisional russo do século XIX e um feito literário impressionante. Conta com tradução de Rubens Figueiredo.

O jovem médico Anton Tchekhov empreende uma viagem até os confins da Rússia para documentar as terríveis condições de vida dos condenados a trabalhos forçados em uma ilha-presídio. Uma jornada extenuante e quase fatal que o fez regressar com um dos textos mais impressionantes da literatura de não ficção em todos os tempos. A denúncia de um lugar onde pessoas eram descartadas. O relato de um inferno – cercado de água, frio e desumanidade por todos os lados.

Parnaibano, leitor inveterado, mad fer it, bonelliano, cinéfilo amador. Contato: rafaelmachado@quintacapa.com.br