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Uma Breve história do progresso

Uma longa introdução

Não resisto a essas banquinhas de livros a R$10 nos corredores dos shoppings ou em calçadas de ruas movimentadas. Ali, empilha-se um monte de “Lucas Netos” e “Vade Mecuns” inúteis para mim e na certa, na maioria das vezes, é apenas um passatempo onde posso até garimpar algo, passando uma vista mais demorada. Foi assim que encontrei “Uma Breve História do Progresso”, de Ronald Wright (Record, 2007). E que bela surpresa.

Nunca tinha ouvido falar do autor, mas, como é de praxe, os adjetivos na contracapa desses livros são sempre muito convincentes: “sagaz”, “potente”, “fascinante”, “pura sabedoria”, “instigante, esclarecedor e perturbante”, dizia os jornais The Guardian, The Times e outro desconhecido, um tal de Kirkus Review.

As orelhas do livro também foram muito instigantes. Os textos de lá iniciam com três perguntas que, imagino, tentariam ser respondidas por Ronald: “de onde viemos? O que somos? Para onde vamos? ”. Então, eu já sabia que o livro seria uma síntese histórica do progresso baseado nesses três problemas, mas o último argumento que me convenceu a gastar R$10 num livro desconhecido numa mesinha dum shopping cheia de livros para colorir dinossauros, foi a breve apresentação do autor: antes de ser citado como historiador e arqueólogo, formado em Cambridge, ele é romancista. E adoro romancistas que escrevem história.

Então, o passo seguinte, a prova de fogo, seria ler o índice e o primeiro parágrafo do livro, pra ver a qualidade do literato escrevendo uma história da arqueologia do progresso. O sumário é dividido em apenas 5 itens: “as perguntas de Gauguin”, “a grande experiência”, “o paraíso dos tolos”, “projetos de pirâmides” e “a revolta das ferramentas”.

Fiquei curioso com as perguntas de Gauguin, que eu sabia tratar-se de um famoso pintor, e que descobri serem as mesmas citadas na orelha do livro. Também sou fascinado pelas pirâmides e os mistérios das antigas civilizações, que o livro realça com os moais em sua capa, uma foto com 3 rostos de pedra da famosa ilha de Páscoa, talvez os perfis mais conhecidos do mundo. E por fim, a “revolta das ferramentas” tinha a dramaticidade necessária para me agradar.

E os primeiros parágrafos do livro? Bom, Ronald Wright decidiu iniciar sua história do progresso apresentando a loucura e genialidade de um pinto francês. Como essas coisas poderiam estar relacionadas? A dúvida me comoveu e a qualidade de sua escrita era inegável. Deixei de pagar aquele cafezinho no shopping e torrei aqueles meus 10 contos em um livro que eu já teria a certeza de que gostaria de ler.

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Digo assim porque sei que é muito comum comprarmos mais um livro, pelo qual fomos fisgados, mas que seu destino seria acumular poeira em cima de outros livros empoeirados. Mas com Ronald Wright, não! Ao invés de ficar na cabeceira da cama junto com outros 10 ou 15 livros que sempre folheio, “Uma breve história do progresso” ficou dentro do meu carro por várias semanas e eu o li em estacionamentos, em salas de espera de consultórios e, principalmente, em filas de banco ou supermercado. E foi uma excelente companhia… e fiquei louco para assistir aquele filme:

 

Mas do que trata mesmo o livro?

A ideia de “progresso” em si sempre me foi curiosa. Como historiador, este conceito sempre foi questionado em sala de aula. A humanidade evolui? O homem torna-se um ser melhor? A história realmente acumula conhecimento que se transforma em uma seta apontando, invariavelmente, para o horizonte?

A grande contribuição de Ronald Wright para essa discussão é a perspectiva de sua formação antropológica, e não histórica. Nos primeiros capítulos, o autor debruça-se para apresentar como o homem, em sua constituição biológica, foi formado. Ele apresenta, numa linha evolutiva, como o homo erectus representa quase 90% de toda a história da raça homo, bem como os homo sapiens são muito recentes dentro desta perspectiva, “nossa subespécie moderna é cerca de 10 ou 20 vezes mais velha do que a mais antiga civilização” (pág. 46).

Outro dado curioso é que os neandertais, nossos primos próximos na cadeia evolutiva, são muitos semelhantes e contemporâneos aos sapiens, quer dizer, convivemos com eles e, em muitos casos, é difícil distinguir se um sítio arqueológico qualquer encontrado em ruínas pertenceria a uma espécie ou outra tão grande eram as similaridades entre esses dois povos. O ponto crucial dessa questão é que o homem e sua capacidade biológica e intelectual, não mudou quase nada nos últimos 100 mil anos: ainda somos homens das cavernas.

Ronald Wright ao lado da capa americana bestseller de seu “Uma Breve história do progresso”.
Em determinada parte do livro, o escritor diz acreditar que possui genes de neandertais e que isso pode ser observado na sobressalente região da testa e sobrancelhas.

É evidente que existe acúmulo cultural e evoluções tecnológicas e é aqui onde Ronald Wright debruça-se e produz um “sagaz, potente, fascinante, sábio, instigante, esclarecedor e perturbante” relato histórico de diversas civilizações ao redor do mundo, desde os povos pré-históricos, passando pelas civilizações bíblicas, pré-colombianas e milenares do oriente, apresentando como, ao longo da história, a raça humana já passou por vários genocídios de civilizações, mas a mais intrigante de todas é o conto que narra sobre os Rapanui.

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Para Ronald Wright, o povo da Ilha de Páscoa é um exemplo que serve como estudo de caso pelo qual toda a raça humana deveria ficar atento, mas infelizmente, nosso “progresso humano”, capaz de acumular conhecimento que nos leva a foguetes espaciais, não costuma nos deixar mais sábios.

Os Rapanui foram um povo, relativamente isolados em sua ilha, onde lá puderam desenvolver sua civilização, desde os primórdios até sua predadora extinção. Sua sociedade, construída em torno de sua política religiosa, pavimentou a estrada da destruição de sua própria subsistência, acabando com a única floresta da ilha que dava sustento para seu povo.

A história dos Rapanui é uma síntese, uma micro história da evolução de um povo que caminha, inexoravelmente, para o fim e que pode ser compreendida e ampliada em perspectiva global. Essa é a narrativa pessimista e assustadora que Ronald Wright nos apresenta.

Para Wright, hoje, a raça humana se encontra no momento exato em que deveria reavaliar a situação e estabelecer ações a médio e longo prazo, aprender a ser sábia e tornar-se precavida, pois o sistema de extração natural e acúmulo de riqueza hoje apresenta evidentes tendências suicidas.

Segundo o autor, durante o século XX a população mundial aumentou 4 vezes e a economia se multiplicou por mais de 40. Se matemática simples fosse aplicada nessa conta e a proporção de riqueza entre as pessoas fosse mantida ao longo desses cem anos, a população do mundo, de maneira geral, deveria estar 10 vezes melhor, economicamente falando. Então, a distribuição de riquezas já seria um fator primordial para a melhoria da qualidade de vida.

O que o autor tenta, insistentemente, argumentar é simples e óbvio: a natureza é finita. Segundo um dado que apresenta, ao longo do século XX, a humanidade aumentou seu consumo de 60 para 125% da produção natural (pág. 153). Nós somos os índios de Páscoa desmatando nossa floresta, acabando com o que dá sustento para a humanidade. A diferença é que hoje, nós desmatamos para criar gado e gastamos 10kg de comida vegetal alimentando-os para criar apenas 1kg de carne. É irracional!

A indústria de criação de alimento para sustentar quase 8 bilhões de pessoas no mundo de hoje é um trem descarrilhado, operado por um dinossauro que não quer aprender a mudar e indo em direção a um castelo de cartas da qual é constituída toda e qualquer frágil civilização humana. E quando esse castelo desmorona, a queda é rápida e violenta.

Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos