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Resenha | O Gênio e A Deusa, de Aldous Huxley (Editora Globo)

Aldous Huxley é sem dúvida um autor que precisa ser apresentado em sua plenitude de forma permanente. Já falamos neste espaço sobre a atualidade de um de seus livros mais polêmicos e conhecidos (nesta admirável contribuição do professor e doutor em Sociologia Thiago Meneses) e hoje retornamos à sua obra com o romance O Gênio e A Deusa, publicado originalmente em 1955.

Nesta breve narrativa com pouco mais de 120 páginas, encontramos um interlocutor inominado travando diálogo com John Rivers na véspera de Natal. Sentados em frente à lareira, conversam serenamente sobre a natureza da ficção e de como a realidade a ultrapassa na desordem dos eventos quando cai nas mãos de Rivers a razão definitiva para pôr em termo seu argumento.

A biografia de Henri Maartens, um físico ganhador do Nobel a quem conheceu intimamente, é vista na estante ao lado e o faz mergulhar em profundas memórias de uma passagem decisiva de sua trajetória. Era então um acadêmico de 28 anos, refém de uma educação sufocante por parte de sua mãe; pessoa dominadora, viúva de um pastor protestante, e que fora capaz de encher a cabeça do filho com todos os temores e culpas que uma religião consegue incutir num indivíduo impressionável.

Rivers era então uma massa humana dividida entre os deveres e cuidados que supunha ter com sua mãe e os princípios e exatidões da física enquanto ciência quando é indicado por um antigo orientador para vaga de assistente no laboratório de Maartens. É a deixa para ganhar o mundo e se livrar da opressão materna, partindo para St, Louis.

Lá chegando, se instala na casa do gênio num arranjo provisório que se torna definitivo com o passar do tempo e a proximidade que desenvolve com todos os membros da família, em especial as mulheres da casa: a filha adolescente Ruth e a esposa Katy, verdadeira força da natureza e espinha dorsal da harmonia familiar. Mas antes, e acima de tudo, Katy era responsável pela própria sanidade e equilíbrio físico e espiritual de Maartens, um homem totalmente dependente da mulher.

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A maneira como aos poucos Rivers volta delicadamente as costas ao passado e se liberta das teias conservadoras que povoam seu “sótão moral” é narrada pelo próprio, que relembra sorver a luz do sol e as cores das fachadas como algo totalmente novo e instigante.

Mas ainda há muito entulho em seu interior: virgem e inseguro com as mulheres, é tomado por sentimentos conflitantes à medida que se apaixona platonicamente pela esposa de seu mentor, ao tempo que Ruth também cobiça algo mais que a simples amizade que os enlaça na rotina caseira.

Quando Katy precisa se ausentar para cuidar da mãe doente em Chicago é que John Rivers finalmente conhece o lado sombrio do clã Maartens, numa sequência de eventos que o confronta duramente com os tabus morais que ainda perduram em sua consciência.

A longa digressão a que Henri se entrega na frente de Rivers sobre a ausência da mulher, seus medos e desconfianças, como que desmascaram as fantasias que alimenta sobre Katy: então deusa íntegra, passa a comungar com sua própria carne e os instintos que alimentam sua inexorável condição humana.

No que dizia respeito às relações humanas, era um idiota; nas questões práticas da vida, era um asno. Mas que asno interessante, que imbecil brilhante! Henry conseguia ser insuportável; mas ele sempre valia a pena. Sempre! E ela me concedeu um elogio ao acrescentar que talvez, quando eu me casasse, minha esposa sentisse o mesmo a meu respeito. Que eu podia ser insuportável, mas sempre valeria a pena. (p. 42)

Trinta anos depois, John rememora a grande virada de sua vida nessa conversa galgada na temperança que a maturidade traz. A escrita de Huxley é elegante e rica em referências literárias, construindo um protagonista culto e perspicaz, dado a uma verborragia guiada pelas recordações entre objetivas e um pouco amargas das travas psicológicas que sua educação lhe impôs. Seu despertar sexual se debatia com o conservadorismo resiliente numa casa de pagãos.

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É com essa oratória mesclando preceitos filosóficos com dogmas teológicos que o autor constrói um romance de formação – um Bildungsroman tardio mas ainda assim cheio de simbologias sobre a transformação de um homem posto à prova em sua fé: não em Deus mas no ser humano. E Huxley a promove de maneira competente, prendendo o leitor do início ao fim.

Aldous Huxley – O Gênio e A Deusa

Editora: Globo (selo Biblioteca Azul)

126 páginas

Preço sugerido: R$ 49,90

Parnaibano, leitor inveterado, mad fer it, bonelliano, cinéfilo amador. Contato: rafaelmachado@quintacapa.com.br