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Conheça a Era de Maravilhas de Conan, por Robert E. Howard

Iniciando uma série de textos voltados para o público que gosta de literatura de fantasia, a Quinta Capa apresentará Conan, o bárbaro, criado por Robert E. Howard, e inspiração para todo um gênero: a espada e feitiçaria.

Arte de Cary Nord para Conan, da Darkhorse.
Criado nas páginas da Weird Tales, Conan já passou pelos quadrinhos e pelo cinema, sendo umas das maiores referências quando se fala em espada e feitiçaria.

Texto por John Cavalcante

“Saiba, ó príncipe, que entre os anos em que os oceanos beberam a Atlântida e suas cidades reluzentes, e os anos da ascensão dos Filhos de Aryas, houve uma era inimaginável, na qual reinos brilhantes se espalhavam pelo mundo como estrelas sob mantos azuis…  Nemédia, Ophir, Britúnia, Hiperbórea, Zamora, com suas mulheres de cabelos negros e torres misteriosas assombradas por aranhas,  Zingara, com sua cavalaria, Koth, que fazia fronteira com as terras pastorais de Shem, Stygia, com suas tumbas guardadas pelas sombras, e a Hirkânia, cujos cavaleiros vestiam aço, seda e ouro.

Mas o reino mais orgulhoso do mundo era a Aquilônia, soberana suprema do ocidente.

Para lá foi Conan, o cimério, de cabelos escuros, olhos sombrios e espada na mão;

Um ladrão, um salteador, um assassino, possuidor de melancolia gigantesca e contentamento titânico, para pisotear os tronos adornados de joias em todo o mundo com seus pés calçados”

– Crônicas Nemédias

Imagem de Frank Frazzetta para Conan.
Um dos grandes responsáveis pela imagem que o mundo tem de Conan se deve ao lendário capista Frank Frazetta.

Seria um indiscutível erro começar os textos da coluna Apêndice N que não por Conan, o bárbaro, de Robert E. Howard. Apêndice N é o nome dado à lista de principais referências literárias para a criação de D&D –  Dungeons & Dragons, o primeiro RPG do mundo. Esta lista de livros nos traz as principais inspirações para Gary Gygax durante a criação do jogo. Este é também o nome desta coluna de resenhas destinadas a desbravar os mares literários do mundo de fantasia. Apesar do nome, as resenhas nem sempre estarão voltadas somente para o público de Role-Playing Games.

Conan é um dos personagens que mais estamos culturalmente familiarizados no Brasil. Pergunte a qualquer leitor de quadrinhos de mais de 30 anos, e ele certamente lhe olhará como se o nome fosse de um amigo distante que não tem ouvido falar há muito tempo.

Eu, por ter crescido durante o tempo em que a publicação estava em hiato no Brasil, não era familiarizado com o personagem. Sempre achei que ele fosse um estereótipo ambulante de macho-alfa, violento, burro e comicamente machista.

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Porém, a leitura dos contos originais de Robert E. Howard, e, posteriormente dos quadrinhos inspirados por este, revelaram um personagem surpreendentemente multifacetado. E acima de tudo um personagem tão vivo que inspira aqueles que o leem.

Arte de Cary Nord para Conan, da Darkhorse.
Tendo passado pelas páginas da Marvel e Darkhorse, além da Glenat, Conan teve várias casas pelo mundo. A editora Pipoca & Nanquim publicou, em três livros, a obra completa de Howard.

SOBRE O PERSONAGEM E AUTOR

Criado na década de 30, em 1932, em revistas periódicas que publicavam contos, a weird tales, tendo a maioria de suas histórias apenas 30 páginas, Conan é uma mistura de influências. Na época, a ficção científica sobre o futuro e o passado eram muito populares devido às descobertas arqueológicas recentes. Histórias de homens que viveram e dominavam a selva (Tarzan, alguém?) ou mesmo de homens das cavernas eram bastante populares. Porém, é inegável que o texano Robert E. Howard elevou o gênero à enésima potência, sendo a grande influência do início do século XX.

A era Hiboriana, na qual Conan existiu, é um cenário criado por um aficionado por história de grande esplendor, principalmente por utilizar-se de imagens que rodam a consciência coletiva sobre as civilizações da era de Bronze. Pense nos jardins suspensos da babilônia, na esfinge egípcia e nos templos gregos. Lembre-se das histórias dos grandes conquistadores como Alexandre da Macedônia, ou Ghengis Khan, e no quanto que elas nos deslumbram e assombram. Imagine, se por um instante, você pudesse viver como um destes conquistadores. Olhar para cada um dos verdes vales e belos monumentos, e declarar ao mundo: Isto é meu! Esta é a fantasia de Conan.

Utilizar-se deste imaginário coletivo dá às histórias um caráter ágil. Não é necessário debruçar-se em explicações sobre o mundo ou caracterizações. Você provavelmente tem uma ideia distante do que é um Aesir ou um Vanir. Isso economiza palavras e dá agilidade para a narrativa incomumente contemporânea.

Porém, infelizmente, o motivo dos trechos onde a fantasia se destaca mais serem mais fracos. O comum é familiar, o fantástico nem sempre, mesmo com a clara influência de H.P. Lovecraft nos textos de Howard, pois os dois eram amigos e trocavam cartas.

Arte de Frank Frazetta para Conan.
Howard influenciou e foi influenciado em suas histórias do cimério.

Desde sua primeira história, A Fênix na Espada, sabemos o destino do protagonista: Ele se tornará monarca de um dos maiores impérios a andar pela terra, a Aquilônia. Mas Conan foi muito mais do que apenas um imperador, pois foi ladrão; roubando torres de magos que todos temem; um mercenário, que sempre cumpre o trabalho dado; e até mesmo um pirata.

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Através de todas as suas andanças e desventuras na alta e baixa sociedade, vemos a formação de um Rei.

Não estava preparado para as doses de humor cara-de-pau do cimério, muito menos para os perigos e tesouros que o mundo antigo de Howard reservava. Mas, certamente, correr pelas perigosas ruas de Zamora, e roubar a joia que ninguém mais tinha coragem da torre do Elefante foi uma experiência bem-vinda.

Arte de John Buscema para Conan, da Marvel
Vários autores colocaram as mãos no trabalho de Howard, se destacando nomes como Roy Thomas, Kurt Busiek e John Buscema, por exemplo.

Conan não é apenas um bruto em busca de violência, como afirmei acima. O bárbaro é inesperadamente esperto, aproveitando-se de pessoas que o subestimam, como eu. Seu objetivo é mostrar como a dita civilização é uma ideia inerentemente corruptiva. Sobre como a moral civilizada permite barbáries, e sobre como ela pode levar à confusão de fraqueza por superioridade moral.

Em críticas negativas, pode-se dizer que o personagem é exemplo do mito do bom-selvagem, de Rousseau: O homem nasce bom, e a civilização o corrompe. Mito que deu origem a diversos estereótipos, e má-representação, de povos nativos; dando a eles uma santidade indevida.

Em luzes positivas, Conan é um exemplo de super-homem Nietzschiano, sendo alguém que constantemente rompe seus grilhões e cria uma moralidade própria, capaz de viver uma vida ideal. Isto é; aquela que se viveria mil vezes.

E é neste turbilhão de referencias históricas, e desejo por aventura, que a fantasia como se vê hoje se forma. Howard é, acima de todas as coisas, o pai deste gênero, que apesar de em seu tempo não ter nome, ecoou no coração de várias pessoas. Ouro e glória conquistados através de Espada e Feitiçaria! Essa gigantesca importância literária, histórica e cultural não deve ser esquecida ou enterrada por baixo da imagem de um brutamontes tão forte quanto burro.

Arte de Mahmud Asrar, para Conan da Marvel.
O legado de Conan e Howard transcendem as páginas dos quadrinhos e da literatura.

Os escritos de Howard sobre o bárbaro da Ciméria não são sobre grandes lições. Conan não é sobre o triunfo moral do bem sobre o mal, ou das virtudes sobre os vícios. Ou sequer da força física contra as maquinações da feitiçaria. É sobre conseguir admirar o mundo ao seu redor para além das regras, e sobre viver uma vida interessante. Não se desculpe por ser quem é, e conquiste aquilo que lhe pertence!

Aos jogadores de RPG, aos leitores e amantes da fantasia, ler Conan é enriquecedor. Localizações interessantes e evocativas, cidades perigosas e esplendorosas abundam. É também um excelente estudo de como criar personagens ativos e não-super-heroicos sem necessariamente cair nos clichês de passado triste.

Tramas maravilhosas e mais pé-no-chão são a norma aqui. Nem tudo pode (e argumentaria que nem deve!) ser um épico com proporções mundiais sobre deuses que desejam destruir o universo. Muito do universo de Conan não é explicado perfeitamente, sendo um conjunto de curiosidades históricas. O que eu altamente recomendo que você também ponha em prática! Curiosidades peculiares históricas podem maravilhar e inspirar muitas coisas legais.

Conan da Darkhorse
Por Crom.
Thiago de Carvalho Ribeiro. Apaixonado e colecionador de quadrinhos desde 1998. Do mangá, passando pelos comics, indo para o fumetti, se for histórias em quadrinhos boas, tem que serem lidas e debatidas.