Aurélia vive dias difíceis. Mastigada pela rotina e refém de um estágio profissional sem grandes expectativas, é surpreendida pelo pedido dos amigos com quem divide um apartamento para que se mude, após um incêndio acidental em seu quarto. Como se não bastasse, é rejeitada pelo rapaz com quem imagina relacionar-se, encontrando abrigo no sofá de seu irmão, embora ele pareça incomodado com a situação.
Aurélia está perdida, e talvez por isso não se reconheça no reflexo do espelho no banheiro de uma festa; espelho que se abre como um fosso para seu inconsciente e se parte, revelando sua ruína emocional. Esse reflexo a guia num átimo de razão a rebelar-se contra si antes que seja tarde demais. Mas por onde começar a consertar sua vida?
Diego Sanchez apresenta em “Aurélia Precisa Pagar o Aluguel” (Editora Mino, 240 páginas, R$ 59,90) seu trabalho mais extenso e coeso: sensível ao abordar sua protagonista; ácido ao retratar uma geração que descobre as dores e delícias da chamada vida adulta; e irônico ao nos lembrar que, afinal, estamos no mesmo barco. E para isso é muito didático ao apresentar o universo social de Aurélia; o chefe, o irmão, os colegas de quarto e a mãe; cada qual inoculado com frustrações indizíveis, falhas de caráter e um profundo senso de humanidade.
Reconhecer-se em meio ao caos, numa provação das vaidades inócuas que carregam como muleta, é o destino legado pelo autor às suas criaturas ao longo das páginas. Com seu grafismo personalíssimo, Sanchez explora as possibilidades narrativas ao alinhar vazios entre quadros, por vezes lineares e outras fora de ordem, além do preto e branco que reflete emoções e pensamentos, como forma de dimensionar a história interior dos personagens.
Mas também encontramos painéis urbanos que, divididos na grade, emulam com precisão as garras que prendem Aurélia em sua solidão. Irremediavelmente só na companhia de seu cigarro, ela nos recorda que a jornada da vida é árdua, mas inevitável para quem não desiste. É nesse esforço que nos reconhecemos e apoiamos, permanecendo no leitor o desejo de abraçá-la, mesmo que à distância, como a dizer “tamo junto“.
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