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Entrevista | Marcello Quintanilha

O site da livraria e editora Quinta Capa não surgiu com o objetivo de apenas apresentar notícias sobre a cultura pop. Como dito em nosso editorial, queremos apresentar análises, resenhas e opiniões sobre um leque enorme de opções disponíveis aos apaixonados pelos quadrinhos, livros, cinema e animações, assim como outros assuntos comuns ao nosso público.

Com esse objetivo, buscamos entrevistar quem trabalha diretamente no mercado de quadrinhos. Dessa forma, apresentamos abaixo a entrevista conduzida por nosso editor Thiago Ribeiro com o quadrinista Marcello Quintanilha.

 

Marcello Quintanilha teve seu primeiro quadrinho publicado na década de 1980, quando assinava com o pseudônimo Marcello Gaú. Autor de obras como Talco de Vidro, Hinário Nacional e a premiada Tungstênio, o autor hoje vive em Barcelona, na Espanha, trabalhando para editoras e jornais europeus, como o El País. Porém, em 2018, lançou com a editora Veneta uma campanha no Catarse para publicar seu mais novo trabalho: Luzes de Niterói.

 

Na entrevista, tratamos acerca de sua carreira, a adaptação de sua obra para o cinema, suas inspirações, o que Marcello está lendo e sobre seu mais recente lançamento em quadrinhos.

 

 

5C: Você começou trabalhando com quadrinhos ainda novo, utilizando-se de um pseudônimo (Marcello Gaú). Hoje, com um nome já reconhecido no meio, como você analisa o lançamento de quadrinhos naquela época e hoje, com as plataformas digitais facilitando a informação chegar ao grande público de forma rápida?

Marcello Quintanilha: Sem dúvida há grandes diferenças. Até a chegada da internet, a única forma de difusão dos quadrinhos era através de processos de impressão. As mídias digitais subverteram completamente esse panorama e possibilitaram uma maior veiculação de novos trabalhos e autores. Por outro lado, o barateamento dos custos de edição também foi fundamental para a elevação da qualidade dos materiais.

Esses são mecanismos disponíveis hoje que podem desempenhar um papel importante na superação da atual e de possíveis futuras crises no mercado editorial, coisa que não se verificava há algumas décadas.

5C: Você mora atualmente em Barcelona, na Espanha. Porém, seu quadrinho de maior destaque até aqui, Tungstênioretrata acontecimentos no Brasil, mais especificamente em Salvador, Bahia. Como é morar longe do seu país de origem, mas contando histórias dele? Há um distanciamento que favorece o autor, permitindo fazer uma análise mais crua daquela realidade?

Quintanilha: É extremamente simples e não, não compartilho a ideia de que um afastamento geográfico favoreça uma visão mais acurada sobre determinada região ou tema.

O Brasil retratado nas minhas histórias é o Brasil que está comigo, na raiz daquilo que me constitui como ser humano, derivando de uma série de experiências vividas por mim em primeira pessoa ou por pessoas próximas, convertidas em ficção e não o retrato de uma substância que estivesse diante de mim e da qual daria testemunho; porque, no meu modo de ver, isto sim implica um inevitável distanciamento entre quem observa e aquilo que é observado e nunca trabalho a partir da distância.

O fator presencial, portanto, deixa de ser indispensável nessa dinâmica.

 

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5C: Como se dá o lançamento dos seus trabalhos na Europa, já que no Brasil eles são lançados pela editora Veneta? 

Quintanilha: Por meio de editoras europeias, que compram os direitos de publicação ou para as quais trabalho diretamente, como no caso de Tungstênio ou Luzes de Niterói. Normalmente realizo uma série de sessões de autógrafo por várias cidades da França, o que é sempre extremamente gratificante, porque me agarro a qualquer oportunidade que tenha de estar próximo das pessoas.

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5C: Seu novo trabalho, Luzes de Niterói, também, se passa no Brasil. Dessa vez, em sua cidade natal, Niterói, no Rio de Janeiro. Poderia nos contar sobre seu processo de criação, em especial, no roteiro, que irá abordar futebol e os anos 1950?

Quintanilha: Luzes de Niterói conta a história de uma amizade cujos laços serão esgarçados até o ponto de ruptura, depois do qual é difícil reparar o dano causado.

Trata de um universo do qual parecemos cada vez mais desconectados, o que considero lamentável, porque ele é um dos alicerces sobre o qual se sustenta a cultura brasileira de massas como a entendemos hoje.

A história é baseada em acontecimentos reais da vida do meu pai, então jogador de futebol profissional em times da minha cidade natal, Niterói, e traz de volta uma série de elementos imortalizados em expressões artísticas como as Chanchadas (é o espetáculo ou filme em que predomina um humor ingênuo, burlesco, de caráter popular) ou a MPB, um vernáculo característico, assim como uma forma de encarar o entorno dentro da perspectiva de um país que buscava seu lugar no mundo, após o impulso econômico do pós-guerra.

Trabalha o mito do jogador de futebol oriundo das fábricas, berço do esporte no Brasil e nos põe em contato com uma das figuras chave da época, a vedete Luz del Fuego, precursora do naturismo no Brasil.

O processo de criação segue a mesma lógica das histórias anteriores, ou seja, uma imensa gama de referências coletadas ao longo do tempo, esboços e arte-final em papel, colorização digital. Desta vez trabalhei com uma palheta extremamente limitada e sintética, em tons de aclimatação.

 

 

 

5C: Por falar em Luzes de Niterói, o quadrinho foi financiado através do site Catarse, que é usado para arrecadar dinheiro direto dos potenciais compradores, mesmo tendo uma grande editora por trás, que é a Veneta. Esse parece ser o meio ideal de se financiar um quadrinho, indo direto ao público alvo? Quais foram suas experiências ao utilizar o Catarse, já que o mesmo conta com vídeos e diversas formas de recompensas produzidas através do seu trabalho?

Quintanilha: Minhas experiências nesse campo foram próximas a zero, porque toda a campanha foi administrada pela editora. Além disso, o conceito de “público alvo” é bastante difuso para mim, uma vez que não qualifico pessoas dessa forma.

Considero plataformas de financiamento coletivo ou mecenato ferramentas excelentes não só para a difusão de novos artistas, mas também como forma de reestruturar a relação com indivíduos interessados em determinado produto.

Ao mesmo tempo, uma nuvem maligna paira sobre a cultura em geral e sobre o universo dos quadrinhos, em particular, no Brasil de hoje. A quebra das duas grandes livrarias aprofundou uma crise da qual o mercado editorial já começava a dar sinais há alguns anos e tanto artistas como editoras buscam formas de superar as dificuldades vigentes mediante de novas alternativas.

 

5C: Como será o lançamento de Luzes de Niterói fora do país? 

Quintanilha: Ele já ocorreu tanto na França como em Portugal e a recepção tem sido muito entusiasmada pelo que posso perceber, o que me deixa tremendamente satisfeito.

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5C: Seu trabalho já recebeu o prêmio Fauve Polar, principal premiação francesa das histórias em quadrinhos, por Tungstênio. Ou seja, seu trabalho é reconhecido internacionalmente. Como você trabalha com as editoras estrangeiras quando quer lançar algo?

Quintanilha: Da mesma forma que com as brasileiras, ou seja, a partir de uma relação de confiança, promovida por editores cujas propostas editorias possam ser tão contundentes como a minha.

5C: Qual quadrinho você está lendo?

Quintanilha: “Ted Drôle de Coco” de Émilie Gleason.

5C: Quais as suas fontes de inspiração preferidas?

Quintanilha: São inúmeras. A obra de escritores como Machado de Assis, Clarice Lispector ou Graciliano Ramos; o cinema de Vittorio de Sica, Orson Welles, Griffith; o fotojornalismo de Evandro Teixeira ou Chico Albuquerque; a linha clara de Jacobs ou Jean-Louis Floch, a música de Pattapio Silva…

5C: Algum autor que chame sua atenção atualmente para você assumir os desenhos? Ou você gosta de ter controle total da criação?

Quintanilha: Não, não há nenhum e, não, nunca me senti no controle de absolutamente nada, se é que isso faz algum sentido.

5C: Tungstênio foi um divisor de águas, já que o mesmo foi adaptado até para o cinema, em 2018?

Quintanilha: Não. Tungstênio faz parte de todo o conjunto do trabalho. Não concebo esta questão dentro dessa norma.

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5C: Como artista, o que você acha que se ganha e se perde quando a obra é adaptada para outras mídias, como o cinema?

Quintanilha: Esta não é a melhor maneira de avaliar a relação na minha forma de ver, uma vez que lidamos com linguagens cujas especificidades são determinantes e, muitas vezes, antagônicas.

O mais importante, no meu entendimento, é compreender todas as exigências do ambiente para o qual será adaptada a obra e mover-se a partir delas.

Tungstênio, o filme, obedece a uma fidelidade conceitual, o que significa que o trabalho não objetivou a “transposição” de cenas específicas do quadrinho para a tela, mas sim a assimilação da linguagem da HQ, re-equacionada segundo os critérios do cinema, o que representa uma diferença substancial.

Isto é o que permite que os takes sejam tão equivalentes ao quadrinho, sem que, em realidade, o sejam, uma vez comparados frame a frame.

A complexidade está no fato de que o normal, nesse caso, seria que tivéssemos um resultado muito mais alijado do original, no entanto, o que ocorre é exatamente o contrário.

Isto se deve unicamente à mestria de Heitor Dhalia (diretor do longa) em controlar essas nuances.

 

5C: O filme, para você, deu certo?

Quintanilha: Não sei o que “dar certo” significa. Sei o que significa empenhar-se ao máximo na realização de uma proposta, entregar-se por inteiro a ela, como ocorreu em relação a todas as pessoas envolvidas no processo, especialmente os atores, que nunca deixaram de me impressionar por lançarem mão de sua própria mitologia pessoal para dar voz a personagens muitas vezes antagônicos a suas personalidades; sei o que significa reconhecer que o resultado do filme é extremamente aproximado ao que eu mesmo faria se fosse o diretor, o que me fascina pela capacidade tanto do Heitor como da equipe de filmagem de imergir tão profundamente no universo da história. Isso é dar certo?

5C: Já há algum trabalho pensado após a publicação de Luzes de Niterói?

Quintanilha: Não, não há nada no momento.

 

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Thiago de Carvalho Ribeiro. Apaixonado e colecionador de quadrinhos desde 1998. Do mangá, passando pelos comics, indo para o fumetti, se for histórias em quadrinhos boas, tem que serem lidas e debatidas.