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Janeiro Literário | A Alma do Homem Sob o Socialismo, de Oscar Wilde

Oscar Wilde é mais conhecido do público pelo livro O retrato de Dorian Gray, obra de qualidade suficiente para consagrá-lo dentro da crítica literária mundial. Isso era quase tudo que sabia sobre o autor. Além disso, só tinha ouvido falar alguma fofoca biográfica sobre sua vida sexual, detalhe que ignoraremos aqui, pois o curioso é descobrir que Oscar Wilde era um comunista.

Foi durante um feriado, em viagem à cidade dos meus pais, procurando algo pequeno para ler em meio à sua biblioteca, que encontrei A Alma do Homem sob o Socialismo, do referido autor. Logo pensei com meus botões: “Este é um excelente livro para levar à fila da cabine eleitoral neste ano maravilhoso de 2018”. Assim o fiz, e comecei a ler o livrinho, vagarosamente.

Nas páginas iniciais, descobri, pelo aviso dos editores, que na segunda impressão do livro, Wilde resumiu o título para apenas A Alma do Homem e considero a decisão até bastante acertada, isso porque, em certo momento, o livro vira mais um tratado sobre arte do que sobre política.

É claro que a política está sempre implícita em sua construção de um mundo ideal onde as pessoas poderão desfrutar melhor do “Belo”, mas ao longo do pequeno ensaio, Wilde aborda questões curiosas como revolução das máquinas (um mundo onde as máquinas exercerão todos os trabalhos degradantes ao homem e serão nossos escravos. Te lembra algo?), egoísmo, altruísmo, o poder da imprensa e arte. Tudo, na melhor maneira possível dentro de tão pouco espaço, que até esquecemos que por trás do palco, há uma cortina vermelha.

Quando explico que o livro é pequeno, quero dizer que ele faz parte daquela simpática coleção da L&PM Pocket que, como o próprio nome indica, cabe no bolso. Se desconsiderarmos as pré-textuais, a introdução e o sumário biográfico no final do livro, teríamos apenas 68 páginas pequenininhas. Eu, inclusive, o indicaria até ao mais fascista dos colegas: isso porque o socialismo de Wilde não é o mesmo de Karl Marx, o que é a grande curiosidade deste trabalho.

Oscar Wilde (1854-1900) e Karl Marx (1818 – 1883) eram contemporâneos, e é inegável que o trabalho do alemão tenha influenciado o do irlandês; porém, a A Alma do Homem é mais uma evidência de que o termo “socialismo”, no século XIX ou mesmo até meados do XX, não era de propriedade exclusiva de ninguém. Wilde desenvolve seu conceito do termo partindo de um simples princípio: do fim da propriedade privada e do desenvolvimento do bem comum e, diferentemente de um manifesto, não se atém mais a nenhum princípio político que não seja aquele que possa interferir na arte e, consequentemente, na alma do homem.

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Outro dia, por sinal, quando assisti ao filme Mary Shelley (lançado em 2017, que recomendo fortemente), lembrei das palavras de Wilde. Isso porque um personagem comum às duas obras é o famoso escritor Lord Byron que, segundo Oscar, nunca foi um assalariado, era livre da pobreza e, assim sendo, tinha condições de cultivar seu individualismo e sua arte. E é isso que vemos no filme sobre a escritora de Frankenstein: homens ricos que têm condições de desenvolver sua alma. A própria Mary Shelley, que também é citada nesta lista de artistas, entre outros como Victor Hugo e Baudelaire, era uma pessoa que teve suas dificuldades financeiras, mas foi criada dentro da livraria do próprio pai, dotada de certos recursos e de capital cultural.

Esse é um ponto importante no livro e que pode causar estranheza entre os críticos da esquerda: em meio à sociedade socialista, a possibilidade do homem de desenvolver seu individualismo. Já que uma das mais comuns críticas ao marxismo é justamente a ideia da generalização, da massificação das personalidades, ao pretender igualizar as pessoas dentro de suas classes. Não para Wilde. Longe disso. “Sê tu mesmo” é o segredo de Cristo e a base do individualismo e o fim que a sociedade socialista almejada por Wilde deve ter.

Nessa pisada, Oscar Wilde afirma sentenças como “a propriedade privada estorva o Individualismo a cada passo” e diz ainda que:

“No tesouro de sua alma, há bens infinitamente preciosos que ninguém lhe pode tomar. Assim, procure moldar sua vida de forma que os bens exteriores não possam prejudicá-lo. E procure também livrar-se da propriedade privada. Ela acarreta preocupações mesquinhas, zelo incessante, erros seguidos” (pg. 33)

Para Wilde, o homem rico tem uma individualidade falsa, que se preocupa muito mais em “ter” do que “ser”, e apenas nessa sociedade onde a propriedade privada não existisse o homem poderia, de fato, preocupar-se com sua alma e, consequentemente, com o conceito de “Belo”. Daí viria a influência romântica, de como a Arte seria esse instrumento perfeito, tanto para elevar a alma do homem quanto para revela-la em todo seu esplendor. E são nessas questões, que o livro torna-se cada vez mais agradável para aqueles curiosos sobre o que é e para que serve a arte ao invés de imergir em uma discussão política.

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Numa primeira impressão, Wilde poderia aparecer apenas como um elitista defensor das Belas Artes e extremamente distante do discurso contemporâneo de conceito inclusivo de Arte. E isso é meio verdade. Para o autor, o pobre seria tão preocupado em questões básicas, como se alimentar, que não lhe seria permitido as condições necessárias para apreender eficazmente a arte, muito menos produzi-la. O autor está distante de abraçar a arte popular, mas está próximo de seu tempo, quando era bem aceito a ideia de arte erudita como elevada e melhor.

Entretanto, a concepção de bem-estar social que ele propunha, parece-nos uma verdade incontestável: estando bem, absorve-se melhor a beleza do mundo. Então, a linha de raciocínio dele perpassa a ideia de que apenas o homem que não se preocupa com o “ter” poderia desenvolver o “ser” e, consequentemente, aprimorar seu individualismo. Dessa forma, o verdadeiro “Indivíduo” só apareceria num cenário socialista e o autor não tem receios de acreditar nessa utopia, defendendo projetos que precisam ser testados.

Ao longo do livro, Wilde aborda como explorar esse individualismo na arte, sobre como o artista é livre e não deve se submeter à opinião pública, sobre como é essa questão sob os mais variados prismas e julgo do poder político, religioso e da imprensa sobre o ato de criar.

Sua visão comunista é uma das mais elevadas defesas da liberdade individual e humanista que tive o prazer de ler, por mais incrível e contraditório que isso possa parecer.

 

 

Sou desenhista, criador do Máscara de Ferro e autor do quadrinhos Foices & Facões. Sou formado em história e gerente da livraria Quinta Capa Quadrinhos