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Resenha | O Som e a Fúria (William Faulkner)

Escrito pelo Médico Psiquiatra Jackson Rocha
Considerado um clássico da literatura norte-americana, sempre presente nas listas dos melhores romances já escritos, “O Som e a Fúria” (The Sound and the Fury, 1929) persiste como uma das obras mais influentes da literatura moderna. Seu autor, William Faulkner (ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1949), havia sido rejeitado por diversas editoras e, em um período de isolamento, concebeu a sua obra definitiva.
Trata-se de um romance complexo, de difícil leitura, principalmente para alguém sem muita experiência literária. Utilizando-se da técnica do fluxo de consciência, o autor nos apresenta a decadência da família Compson, através de uma narrativa repleta de saltos temporais, cronologia não linear, neologismos. O grande objetivo de Faulkner é nos colocar na mente de cada um dos narradores, num intrincado conjunto de pensamentos, sentimentos e sensações.
Cabe aqui uma breve pausa para descrever a técnica do fluxo de consciência. Nela, procura-se transcrever o complexo processo de pensamento de um personagem, com o raciocínio lógico entremeado com impressões pessoais momentâneas e exibindo os processos de associação de ideias. A característica não-linear deste processo leva frequentemente a rupturas na sintaxe e na pontuação.  Diversos autores, além de William Faulkner, utilizaram-se da técnica em sua obra, sendo o exemplo mais famoso James Joyce em Ulysses.
O Som e a Fúria” divide-se em quatro partes: as três primeiras são narradas em primeira pessoa, sob a perspectiva de personagens diferentes e a última parte em terceira pessoa, por meio de um narrador observador. Todas as partes estão interligadas, embora isso não seja muito fácil de ser percebido por um leitor inexperiente já que, por conta da técnica narrativa utilizada, muitas vezes parecendo desconexa. Entretanto, a cada novo elemento que é acrescentado à história, vai sendo formado o sentido da trama, como se fossem peças de um quebra-cabeça que o leitor deve “montar” ao longo da leitura. A personagem Caddie surge aqui como um ponto central na trama, como se fosse a peça central do quebra-cabeça.
A primeira parte, que se passa em 7 de abril de 1928, nos traz os eventos vividos por Maury/Benjy, portador de um transtorno mental (alguns elementos da narrativa dão a entender como sendo autismo). Com a narrativa caótica, carente de linearidade, Faulkner tenta emular os processos mentais de um doente mental grave (lembre-se que esse é um dos objetivos do autor ao utilizar a técnica do fluxo do pensamento). Aqui, o foco narrativo são as sensações do personagem, que não desenvolver uma linguagem além da rudimentar. Em muitos momentos, a leitura pode tornar-se frustrante, pela dificuldade de compreender o que está sendo exposto. Definitivamente, é parte mais complicada do romance.
Na segunda parte, somos apresentados a Quentin, o filho mais inteligente da família, aluno de Harvard. Os eventos se passam em 2 de junho de 1910. É uma das personagens mais interessantes e bem construídas da obra. Aqui, predomina um tom melancólico, já que Quentin é claramente depressivo, carregando consigo sentimentos complexos de culpa, seja pela necessidade das vendas das terras família para custear seus estudos, seja pelo amor praticamente incestuoso que nutre pela irmã Caddie. O trecho em que é apresentada uma briga do personagem é o que considero mais marcante da obra.
A terceira parte, que se passa em 6 de abril de 1928, é uma das mais importante para entender o sentido da obra. Seu narrador, Jason Compson, é um personagem extremamente rancoroso e cruel. Nutre um ódio imenso por todos, porém principalmente pela irmã, a qual já era deserdada da família. Ele também é cuidador da mãe, já idosa, do irmão “idiota” e da sobrinha Quentin (filha de Caddie, que recebeu esse nome em homenagem ao tio, que na época já havia cometido suicídio). A relação com a sobrinha é particularmente tensa. Através do seu ódio e dos seus sentimentos vitimistas (o personagem sente-se um injustiçado perante os outros, nunca tendo seus méritos reconhecidos, pois, enquanto permaneceu em casa, os outros abandonaram a família, o irmão em Harvard e a irmã devido a um relacionamento indesejado), ele nos deixa escapar diversas peças para compor o sentido das partes anteriores, como a castração de Benjamim.
Por fim, a quarta parte, referente ao dia 8 de abril de 1928, possui um narrador em terceira pessoa e foca, principalmente, na personagem Dilsey, a criada da família. A narração aqui flui de uma forma mais leve, mais compreensível, e as peças finais do quebra-cabeça que é a obra vão se encaixando.
É tarefa difícil descrever a leitura “O Som e a Fúria”. Tal qual o livro, o leitor também é tomado por um “turbilhão” de sensações, desde desânimo por não conseguir acompanhar certos pontos da narrativa, como de deslumbre com a técnica apurada do autor em certos momentos. Novamente, não é uma obra para um leitor inexperiente, entretanto, quem se propor a enfrentar o desafio da sua leitura, provavelmente terá uma experiência enriquecedora.
Título original: THE SOUND AND THE FURY
Tradução: Paulo Henriques Britto
Capa: Alceu Chiesorin Nunes
Páginas: 376
Formato: 14.00 X 21.00 cm
Peso: 0.473 kg
Acabamento: Brochura
Lançamento: 15/09/2017
ISBN: 9788535929423
Selo: Companhia das Letras

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