O primeiro episódio Watchmen da HBO é uma introdução brilhante e perturbadora da visão de Damon Lindelof sobre o mundo de Alan Moore e Dave Gibbons.
Watchmen chega causando e ouso dizer que é uma das coisas mais fiéis que já vi na vida! Vou além: Alan Moore ficaria feliz se gostasse de seus trabalhos adaptados. HBO mais uma vez vem mostrando porque está 30 anos à frente de qualquer canal de entretenimento.
Primeiro de tudo: uma versão televisiva de Watchmen nem deveria existir.
O mais importante romance gráfico da história de Alan Moore e Dave Gibbons é muito icônico, influente e bom demais para ter uma segunda vida ou ser categorizado como um Universo Estendido de Watchmen (os sites e ,especialista já estão chamando a série de WEU). Mas a HBO, junto com Damon Lindelof, acharam que poderia dar certo. Eles apostaram alto e conseguiram.
Damon Lindelof, que foi responsável por Lost e The Leftovers, não se preocupa com super-heróis. Mas ele ama muito Watchmen. Em sua série impecavelmente dirigida, lindamente imaginada e cativante, a afeição de Lindelof sai da tela quando ele conta uma história provocativa e modernizada, que cumpre o legado de Moore e Gibbons. Watchmen na HBO parece e se sente diferente de qualquer outra história de super-herói. De sua forma de repreender ao gênero, é a adaptação mais fiel.
Uma nota importante: estou deixando os nomes originais, já que vi com uma legenda que não traduziu para português.
A série se passa nos dias atuais da versão de Watchmen de Tulsa, cidade de Oklahoma. Ou seja, a história está vindo diretamente da linha temporal que começou com a introdução de vigilantes mascarados nos anos 40 e continua além dos eventos de Watchmen nos anos 80. Nesta Tulsa, os policiais usam máscaras para proteger suas identidades do Seventh Kavalry, um grupo de terroristas supremacistas brancos que adotam a máscara e voz grave do antigo “herói” Rorschach. Existem, nas cenas desse grupo, diversas referências ao quadrinho, além da sequência do Dia do Juízo Final onde Robert Redford é o Presidente dos Estados Unidos.
Também como nas edições iniciais dos quadrinhos originais, este primeiro capítulo de Watchmen apresenta personagens intrigantes e críveis. Angela Abar (Regina King) é uma oficial da lei e vigilante em segredo que mantém uma espingarda na cabeceira da cama e quer proteger sua família. Essa família inclui o incrivelmente simpático Cal Abar (Yahya Abdul-Mateen II) e seus dois filhos. Enquanto isso, do lado da lei também estão Don Johnson como Judd Crawford e Tim Blake Nelson; estranhamente sinistros, porém, fantásticos como sempre, vestindo umas fantasias que serão usadas pela galera do cosplay por vários anos.
Foi um episódio claro e confiante. É o passado, presente e futuro americano sendo contando de uma versão fictícia, mas que é abjeta e aterrorizante com uma visão puramente vigilante da história de origem dos super-heróis. A abertura não tem nenhuma relação com os mitos dos vigilantes, enquanto se sente irreversivelmente ligada à sua alma.
De fato, é assim que a maioria da primeira hora de Watchmen se sente. O programa consegue capturar a essência de Watchmen. ignorando quase completamente os detalhes do mesmo. O primeiro episódio deve ser agradavelmente desorientador, tanto para os fãs de Watchmen quanto para os novatos. Vários personagens da graphic novel se juntarão à série, mas, exceto por um enigmático “Senhor de uma mansão britânica”, interpretado por Jeremy Irons, nenhum aparece em detalhe no episódio um. Em vez disso, Watchmen usa seu tempo de execução para estabelecer as particularidades do mundo e começar a apresentar novos temas e um tom consistente.
O clima político é de alguma forma remanescente e completamente irreconhecível do nosso. Ao avaliar o que fazer com uma série de TV de Watchmen, Lindelof disse que se perguntava o que seria o equivalente moderno da Guerra Fria em termos de influência social. A conclusão a que ele chegou (depois de ler The Case For Reparations, de Ta-Nehisi Coates) é a feia interseção entre raça e policiamento.
Esse relacionamento se desenrola de maneira fascinante e desconfortável no primeiro episódio. A força policial de Tulsa é composta em grande parte por americanos negros (incluindo Angela, a combatente do crime mascarada) e vários outros policiais de máscara amarela, principalmente de cor. Os terroristas locais e, portanto, alvo de policiamento extrajudicial são exclusivamente brancos.
O resultado final do episódio um é uma história apresentada a partir de uma realidade alternativa, na qual as estruturas da supremacia branca parecem estar em um lado diferente da lei daquilo que estamos acostumado. Essa apresentação de policiamento e terrorismo certamente deve evoluir, e Lindelof pediu aos espectadores que não tirem conclusões do ponto de vista do programa até que os nove episódios da série terminem. Ainda assim, com essas linhas da trama ainda mal definidas, o piloto de Watchmen carrega o mesmo nível de ambiguidade e complexidade moral que tornou o original tão atemporal. Não está claro imediatamente quem é o protagonista, quem é o antagonista ou se o conceito de um ou outro existe neste universo. Você sabe, é Watchmen.
Essa plot é realmente a grande conquista do primeiro episódio. Há uma sensação de perigo real em suas histórias. Incorporando as raízes profundamente arraigadas do passado, presente e futuro racistas dos Estados Unidos, e executando-a através da magia anárquica de Alan Moore, Watchmen coloca uma nova máscara, mas o rosto por trás dela permanece o mesmo. Simplesmente incrível. Recomendo.
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