Resenha crítica do filme Doutor Estranho no Multiverso da Loucura com spoiler.
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é cativante. Embora seja um filme que espectador não precisa ter assistido necessariamente outro filme do UCM, é talvez o primeira produção cinematográfica da Marvel que você vai precisar ter assistido as outras séries da empresa e isso vai ser tendência cada vez mais, o UCM tem ramificações no streaming da Disney e no cinema, com cada universo interconectado e se alimentando do outro.
A primeira coisa que precisa ser dita sobre Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é que ele faz de Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) sua vilã. Na série, WandaVision, Wanda imagina e cria dentro de sua realidade dois meninos gêmeos e isso a acaba abalando de uma forma muito profunda e emocional. Wanda passa seu tempo em “Doutor Estranho 2” tentando entrar em um universo onde as crianças, seus filhos, realmente existem. E isso acaba virando grande motivo por trás dela assumir esse lado mais vilanesco da personagem é o pano de fundo de tudo que acontece no decorrer do filme.
Introduzido nos momentos iniciais do filme, America Chavez rapidamente se torna parte integrante essencial da história geral. Ele tem a capacidade natural de abrir portais em forma de estrela que a transportam através do multiverso, Wanda procura esse poder na esperança de roubá-lo para que ela possa se reunir com seus filhos, Billy (Julian Hilliard) e Tommy (Jett Klyne). É uma dessas fugas, ela acaba chegando em nosso universo e cabe ao Doutor Estranho e o Mago Supremo Wong (Benedict Wong) de manter a Feiticeira Escarlate à distância, além disso, temos a chance de aprender sobre Chavez e sua história particularmente trágica. Você pode dizer que essa vontade de Wanda ser mãe de verdade é uma metáfora para psicose pós-parto, mas o filme não foi feito para se debruçar sobre isso, ou mesmo sobre qualquer pesquisa psicológica ou emocional; seu objetivo é saltar excentricamente através das realidades existentes, aproximando-se gradualmente do horror que o diretor Sam Raimi ficou famoso no mundo todo.
Talvez seja o primeiro filme da Marvel depois dos dos irmãos Russo e Taika Waititi que um diretor teve total controle do que estava fazendo. Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é alucinante. Sam Raimi se diverte no filme – casando seu estilo e a veia cômica – ou seja, bruxaria, demonologia e heróis fora do comum. Quer um exemplo? O aparecimento especial de nada menos que Bruce Campbell fazendo o que sabe de melhor: comédia. Ele é o vendedor de Pizza Poppa que o Doutor Estranho amaldiçoa dando um soco no rosto por três semanas seguidas. Para quem não sabe, ele e o diretor Sam Raimi são amigos há quase 50 anos e fazem filmes do gênero de horror há quase 40. A cena toda é uma grande homenagem a amizade que os dois nutrem por tanto tempo e a liberdade que o diretor teve na criação e desenvolvimento do filme, isso foi magnífico!
O filme tem camadas e mais camadas de mistérios e horror. Sam Raimi fez cortes, cenas e transições parecidas com os filmes de terror dos anos 90. Os fãs mais jovens não gostaram, mas os saudosistas adoraram. É na verdade um dos pontos altos de todo o filme. Assistir o Doutor Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) pulando entre as realidades do multiverso tentando proteger America Chaves (Xochitl Gomez) de uma força que pode destruir qualquer coisa chamada Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) e como isso pode literalmente distorcer conceitos de ordem universal e a própria realidade poderia ser o resumo do filme, mas, graça a deus, não fica apenas nisso.
Uma grande razão pela qual o UCM resiste há mais de 10 anos como a principal indústria de cinema mundial decorre da atenção que a Marvel Studios presta ao crescimento de seus super-heróis, provando que eles são tudo menos personagens unidimensionais cujo único objetivo é mostrar seus superpoderes para salvar o dia. Melhor ainda, enquanto os fãs esperam desenvolvimentos significativos nas histórias de seus protagonistas, a Marvel investiu pesado também nos personagens coadjuvantes, sim estamos falando de Benedict Wong. O cara arrasa nas cenas que participa e quase morre em todas elas.
Já em relação ao protagonista de Doutor Estranho No Multiverso da Loucura temos nada menos que Benedict Cumberbatch. O ator é um superstar britânico tem uma incrível capacidade de fazer qualquer papel, desde do rabugento e complexo fazendeiro Phil Burbank em “Ataque dos Cães”, de Jane Campion, até papéis icônicos como “Sherlock” da BBC. Ele dubla Smaug e Sauron nos filmes “O Hobbit”, de Peter Jackson, e interpreta Khan em “Star Trek Além da Escuridão”. É um ator de alcance inacreditável. É um monstro, não tem o que falar de sua atuação como Stephen Strange, na verdade, sente-se aos olhos o quanto ele tem o domínio total do personagem depois de todos esses anos fazendo o papel e como fica confortável voando de capa pelas realidades e reprisando a si mesmo em diferentes versões durante o filme.
Mas voltando para o filme em si,de vez em quando, uma produção do UCM introduziu um novo elemento que muda radicalmente a maneira como vemos toda a franquia. Por exemplo, em “Eternos” é revelado que o desenvolvimento da raça humana foi criado pelos Celestiais, então eles podem matar a humanidade como ratos. O “Cavaleiro da Lua” confirma que praticamente todos os deuses e vida após a morte existem, reconfigurando a natureza da vida e da morte (e possivelmente até o estalo de Thanos) no UCM. Doutor Estranho no Multiverso da Loucura lança uma bomba ainda maior – uma que afeta todos os seres vivos, potencialmente todos os dias.
“Os sonhos são janelas para nossos eus multiversais”, afirma a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) – e não de forma simbólica ou metafórica. Quando alguém no UCM sonha, o que quer que eles vejam é real e está acontecendo com uma versão alternativa de si mesmos, em algum lugar do multiverso. Virou cânone. Em “Homem de Ferro 3”, por exemplo, Tony Stark (Robert Downey Jr.) sonha com a Batalha de Nova York. Agora sabemos que ele está realmente vendo algum Tony alternativo, que está realmente lutando novamente naquele exato momento. Este também é um pesadelo recorrente, o que implica que diferentes Starks estão constantemente lutando contra invasões Chitauri que nunca chegam ao fim. Não é bacana e assustador?
Outro elemento muito legal e interessante que aparece no filme foi as nomenclaturas de cada realidade. Os leitores de quadrinhos estarão familiarizados com esta designação, mas quem ainda não sabe, o universo 616 é a principal realidade que acontecem os eventos na linha editorial da Marvel, ou seja, a nossa realidade. Ao longo dos anos, a editora apresentou aos leitores dezenas de universos diferentes, cada um com seu próprio número. Há a alegre Terra-1610, lar do “Ultimate Universe”. Há a Terra-295 devastada pela guerra, devastada pelo Apocalipse. Há a sombria Terra-807128, onde mora um velho e rabugento Wolverine, mas a Terra-616 sempre foi o centro de tudo.
Uma das cenas cruciais de “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” envolve Stephen enfrentando os Illuminati, um conselho dos super-heróis mais poderosos do mundo, enquanto visita a Terra-838 no multiverso. Esta formação repleta de participações especiais inclui a Capitã Peggy Carter (Hayley Atwell), Raio Negro (Anson Mount), Capitã Marvel (Lashana Lynch), Reed Richards (John Krasinski) e o icônico Professor Charles Xavier (Sir Patrick Stewart). Além disso, Mordo (Chiwetel Ejiofor) também faz parte do conselho. Mas vocês repararam que havia um assento vazio? Pois é.
Elizabeth Olsen fazendo uma versão da Feiticeira Escarlate do mal é um grande momento em todo o filme. Uma virada digna demais para a personagem e para a própria atriz. Já que isso poderia ser um grande reinício para o UCM, encerrando a primeira metade da história abrangente da Fase Quatro e abrindo caminho para a inclusão do Fantástico (histórias com personagens com poderes mágicos), Quarteto e X-Men, apesar de Wanda destruir todo mundo que apareceu na sua frente. Em uma das melhores conversas em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, Wanda argumenta calmamente que não parece justo que ela e Strange tenham quebrado as regras no passado, mas ele continua sendo um herói enquanto ela é pintada como vilã. Ela sai matando todo mundo para alcançar seus objetivos nefastos usando o livro proibido Darkhold (escrito pelo demônio Chthon, um senhor do caos.). Mas Wanda tem razão? Claro que tem. É uma escolha e ela tem esse direito. Mesmo que ela seja ruim.
Elizabeth Olsen tem uma das performances mais poderosas da história do UCM. Ela faz tudo convincente, tanto os momentos íntimos e sutis quanto as grandes mudanças malignas – muitos fãs ficaram surpresos e chateados com o fato de que, no final, Wanda não é redimida, enquanto Strange é. E ele também acaba usando o Darkhold para procurar universos nos quais ele acabou com Christine (Rachel McAdams). Então quem afinal tem razão no fim das contas?
Elizabeth Olsen aparece sempre fazendo papéis de mulheres empáticas, quando ela finalmente mostra sua versatilidade justamente na maior personagem de sua carreira até aqui, meio que assustou muita gente. Na verdade, ela brilha demais, poderosa demais em todas as cenas. Ela é a grande estrela do filme e suas cenas são preciosas.
Doutor Estranho No Multiverso da Loucura não é um grande filme. Ele é o cinema que a Marvel vem moldando e dominando durante uma década, faz parte de um grande emaranhado de ligações, apenas mais um pedaço do UCM. Precisa ser assim, divertido, alegre, colorido, onde seu verdadeiro propósito é abrir a franquia para outras realidades e, portanto, aparições que estendem o universo de personagens periféricos ou extintos Marvel.
E até agora apenas Clint Barton foi o único ser vivo que conseguiu de fato derrotar a Feiticeira Escarlate. Grande filme, recomendo!
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura está em cartaz nos Cinemas Teresina.
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