Esta resenha contém spoilers de Game of Thrones Temporada 8, episódio 5, “The Bells”. Para refrescar sua memória onde paramos, leia novamente a minha resenha do episódio 4.
Houve um pequeno momento no episódio “The Bells” em que Daenerys ouviu o povo inocente em Porto Real, gritando em rendição e clemência e, inexplicavelmente, ela optou por queimá-los mesmo assim – naquele momento fiquei pensando: “eu odeio Game of Thrones daqui para frente?” (A resposta curta é ainda não).
Essa decisão pareceu tão imprevista, tão fora da curva, que eu entendi completamente porque Emilia Clarke disse que as cenas finais de Daenerys a transformaram como mulher de uma vez por todas.
Ninguém sabe como a série vai terminar a história com o episódio final domingo que vem, mas parece improvável que haja algum jeito de ainda salvá-la; uma série que tinha todos os requisitos para se tornar a maior de todas e acabou se transformando num tipo de Monstro que todos passaram a odiar.
E isso é refletido completa e infelizmente em Daenerys e seu destino final ao se transformar numa Cersei. E embora exista algo poético sobre essa trajetória da personagem, em execução, parece uma traição – não porque seja impossível imaginar que Daenerys perderia a cabeça ou qualquer senso de perspectiva depois de sofrer a imensa perda e traição que ela sofreu nesta temporada (a série também sutilmente jogou a possibilidade de que ela possa seguir os passos de seu pai desde o começo), mas porque os escritores têm apressado essa progressão tão desajeitadamente nos últimos quatro episódios? Parece que alguém simplesmente caiu aleatoriamente e bateu no grande botão vermelho “Mad Queen” que estava ligado e pronto, transformando Dany em uma psicopata irracional na última metade do penúltimo episódio, apenas porque o enredo exigiu isso para o confronto final.
Isso não pareceu a Daenerys que assistimos sofrer, evoluir e lutar nos últimos oito anos – alguém que viveu com medo de se tornar o tipo de governante que seu pai era; que foi tratada como um peão em um jogo de homens, além ser despojada durante a maior parte de sua vida. Lá no episódio “Battle of the Bastards”, depois que Tyrion disse a ela exatamente por que Jaime matou o “Rei Louco” (por ameaçar fazer exatamente o que Daenerys acabou fazendo neste episódio, curiosamente), Daenerys falou algo muito interessante: ” Nossos pais eram homens maus… Eles deixaram o mundo pior do que encontraram. Não vamos fazer isso – vamos deixar o mundo melhor do que o encontramos. “
Aparentemente não, Dany.
Sim, ela sempre teve a capacidade de ser insensível e fria quando ameaçada, de agir sem piedade quando seus inimigos se opunham a ela, mas nunca usou sua ambição para oprimir os inocentes, ou aqueles que são impotentes demais para revidar. Ela se chama a quebradora de correntes, não a queimadora de crianças. Mas acabou virando uma Rainha Louca, matando civis e queimando a cidade, apesar de sua insistência anterior de que não tinha intenção de ser “rainha das cinzas”. E todo mundo achando que a profecia era gelo caindo no trono de ferro. O lado positivo dessa tragédia toda é que não sobra margem para o erro de matarem o Drogon. Ela foi taticamente impecável e trouxe o tema de sua família e casa ao pé da letra.
Em entrevista ao THR, os criadores de Game Of Thrones, David Benioff e Dan Weiss, falaram sobre as ações de Daenerys Targaryen neste episódio:
“Existe algo assustador no jeito que Dany reage a morte de seus inimigos. Mesmo quando você lembra da primeira temporada, quando Khal Drogo entrega a coroa a Viserys, e a reação dela quando vê a cabeça de seu irmão derretendo. Ele era um péssimo irmão, então acho que ninguém estava chorando quando ele morreu, mas mesmo assim…”. Disse Benioff.
Weiss complementou: “Não acho que ela já tinha uma decisão em mente. Então quando ela vê a Fortaleza Vermelha, que para ela é a casa que sua família construiu quando chegou ao país há 300 anos… É neste momento, na entrada de Porto Real, quando ela vê o símbolo do que lhe foi retirado, que ela faz a decisão de tornar isto algo pessoal”.
Mas a cidade já havia se rendido. Ninguém estava ameaçando sua supremacia ou desafiando sua conquista. Ela já havia vencido.
Claro, eu posso aceitar que ela queria tornar isso pessoal e se vingar de Cersei por ter quebrado sua aliança e matado Missandei – mas ela poderia ter voado direto para a Fortaleza Vermelha, incendiado Cersei e os homens que eram mais leais a ela, e ainda sair parecendo uma heroína para os cidadãos de Porto Real. Agora, basicamente não há cidadãos em Porto Real, e por que o resto de Westeros deve se ajoelhar a alguém assim? Vale ressaltar que, Weiss confirmou que, embora Daenerys tenha uma crueldade natural como Targaryen, “ela não é seu pai, não é insana e não é uma sádica”. Ele disse essas palavras há dois anos e eu posso prova mostrando isso aqui.
A dificuldade das últimas duas temporadas – entre ultrapassar os livros de George R.R. Martin e a insistência dos showrunners em encurtar as duas temporadas para nos dar 13 episódios para terminar a história em vez de 20 – é que não tivemos a oportunidade de simplesmente explorar os protagonistas de uma forma mais justa, entender como eles estão se sentindo sobre essas novas perspectivas de seus arcos finais ou o que os está motivando. Nos livros, sabemos o que eles estão pensando, porque os capítulos são contados a partir do ponto de vista deles; o que significa – se a série realmente segue o plano de Martin para o final – que ouviremos a justificativa de que tudo isso está acontecendo porque é uma progressão natural de cada personagem. Eu não acredito nisso. E tenho como provar de novo.
Vamos voltar para a 1ª e 2ª temporada, quando Benioff e Weiss inventariam cenas que não estavam nos livros de Martin – como a conversa incrivelmente reveladora de Robert e Cersei sobre seu relacionamento condenado, e toda a história de Arya em Harrenhal com Tywin Lannister. Eles não avançaram o enredo de maneiras óbvias, mas o utilizou como contexto vital para as decisões que nossos personagens estavam tomando – suas ambições, inseguranças, esperanças e medos.
Ao diminuir essas duas últimas temporadas (algo que foi inteiramente feito por Benioff e Weiss e não pela HBO), perdemos essa base emocional no enredo, ficou faltando algo sobre cada um dos que ainda estão vivos e aqueles que morreram também. Mas Benioff e Weiss afastaram o público para que ficássemos tão surpresos quanto o Mindinho quando Arya e Sansa revelaram que o conflito delas tinha sido um artifício elaborado para enganá-lo (e a nós). No final, todos fomos tapeados pelos criadores da série.
Em teoria, alguns pequenos erros podem ser até interessantes, mas quando os escritores insistem: “O que realmente perturba Jon é que ele é um parente da mulher por quem está apaixonado”, enquanto Jon fica com ela e nunca foi mostrado até este momento alguma cena que essa relação incestuosa com sua tia o incomoda, parece mais uma narrativa para tapar buraco do que uma trama inteligente para um desfecho importante. Ou quando fazem Daenerys dizer: “A misericórdia é a nossa força… para as futuras gerações que nunca mais serão reféns de um tirano”, e então incinerar crianças, porque ela está muito ocupada sendo uma tirana.
Mas a coisa que eu tenho lutado com essa temporada em particular, como uma pessoa que lê os livros de George R. R. Martin e é obrigado a ler e escrever teorias, é com a expectativa versus realidade. Embora eu ache que a decisão abrupta de Daenerys de abandonar toda a sua moral tenha sido feita de uma forma apressada e potencialmente calamitosa, dependendo de como será o final, as pessoas responsáveis por esta série nos últimos 72 episódios acreditam que é completamente válido e justificável.
E dadas as reações negativas de “The Long Night” e “The Last of The Starks”, esta temporada, mais do que qualquer outra, parece completamente dependente do quanto cada um de nós se dedicou a essa série, quais aspectos nós mais gostamos (batalhas vs. momentos de caráter especialmente), e para quem estamos torcendo para não morrer no final. Estou certo de que haverá uma multidão de telespectadores que esperavam que Daenerys se perdesse pelo ódio e queimasse o mundo, e esse episódio provavelmente foi o melhor episódio da série para eles.
Mas a coisa ficou parecida com o que aconteceu com a 2ª Temporada do Westworld: uma decepção previsível após meses de especulação frenética e a dissecação obsessiva de todas as possíveis teorias. O final de Game of Thrones provavelmente vai acontecer da forma mais previsível do que eu poderia ter esperado. Muito fãs da série não gostam da Daenerys, mas o que fizeram com ela foi errado e cruel. Eu tinha certeza que eles estavam montando um plot de última hora, com Dany subvertendo as expectativas de todos e talvez até mesmo se sacrificando pelo bem maior. Mas eu aparentemente estava dando muito crédito a série, e no final das contas isso é de mim, não dos escritores. Então é uma decepção muito pessoal.
Eu tenho tentado arduamente não dar notas aos episódios desta temporada com base na minha concordância ou não com as decisões dos personagens, porque isso é muito subjetivo; e por essa razão, estou classificando este episódio com uma nota alta – apesar de eu ter passado 1794 palavras explicando por que discordo veementemente dele – com a imensa ressalva de que qualquer nota que eu pudesse dar a esse episódio (ou qualquer episódio depois de “A Knight of the Seven Kingdoms”, que honestamente achei quase perfeito), parece-me completamente arbitrário neste momento. Eu prefiro apenas tirar um número aleatório de um chapéu do que tentar chegar a um que eu posso voltar depois nesta postagem e ainda concordar em alguns meses ou anos. Tudo bem se você não concordar que o episódio possa receber um 8, mas pense nisso como um 5 se isso funciona melhor para você!
Há partes de “The Bells” que levam 10 fácil, e partes que 4 ou 5 já paga, e eu senti a mesma sensação no episódio “The Long Night” e “The Last of the Starks”. Alguns dos personagens estão tomando decisões que parecem completamente incompreensíveis para mim. E por mais que eu possa reclamar sobre os atalhos narrativos e como é frustrante o fato da série parecer que está correndo no final de uma maratona, quando pode ir com calma, mesmo na pior, Game of Thrones ainda é melhor do que 90% de outras séries de TV em termos de ambição, tempo e cuidado investidos nesses personagens. A parte decepcionante é que eu estava totalmente esperando dar a cada episódio desta temporada um 10 de 10, baseado nas possibilidades estabelecidas por mim, o que é mais decepcionante.
É possível que, quando olharmos para essa temporada como um todo, ela se sinta coesa, mas ao perder os momentos de interação entre os protagonistas, estamos perdendo o coração pulsante de Game of Thrones, que sempre foi sobre as relações entre esses heróis falhos e falíveis, muito mais do que cenas de ação espetaculares.
Cersei Lannister, sem dúvida, teve a trajetória mais frustrante de todas. Parece que ela teve um total de 20 linhas de diálogo nesta temporada, e enquanto Lena Headey sempre foi sublime em transmitir o que sentia para as multidões com um simples sorriso de escárnio ou estreitamento de seus olhos, Cersei era um personagem que conhecíamos intimamente – uma mulher desesperada para proteger sua família, menosprezada e subestimada por todos os homens em sua vida, exceto Jaime, sendo ela mais estratégica do que a maioria das pessoas no poder ao seu redor. Podemos não ter concordado com suas decisões, mas suas motivações sempre foram claras. Nesta temporada, não tínhamos uma noção real de por que manter o trono era tão importante para ela, além da implicação de que ela estava grávida (o que muitas pessoas achavam que era uma mentira). Headey demonstrou belamente o desgosto de Cersei cada vez que Euron Greyjoy a tocava, mas para uma personagem que já foi tão sincera, ela ficou praticamente muda em seus três últimos episódios, o que parece um grande desserviço a alguém tão complexa.
Ainda assim, Cersei morrendo nos braços de Jaime. Foi uma morte adequada para ela (e mesmo que eu discorde da escolha autodestrutiva de Jaime, faz mais sentido que a de Daenerys), e de certa forma, é a única morte lógica para os gêmeos Lannister considerando onde eles começaram. Na ruína da própria criação de Cersei, algo que poderia facilmente ter sido evitada se ela tivesse se concentrado no que era realmente importante para ela – sua família – ao invés de tentar manter o poder a qualquer custo. E Jaime conseguiu cumprir seu próprio desejo, de morrer “nos braços da mulher que eu amo” (mesmo que isso tenha subvertido a profecia de Valonqar dos livros, que, para ser justo, foi claramente deixada de fora do programa de propósito).
E finalmente o tão esperado Cleganebowl! A escolha de intercalar entre a luta do Cão e a fuga de Arya foi poderosa e eficaz, e ver a Montanha tentando esmagar os olhos de seu irmão, estilo Oberyn Martell, foi inesperadamente assustador. Ao contrário da reviravolta de Dany, o resultado final pareceu inevitável e merecido aqui. Foi angustiante ver Sandor mergulhar voluntariamente em um poço de fogo apenas para extinguir seu irmão maligno, mas como diz o velho ditado: “Antes de embarcar em uma jornada de vingança, cave dois túmulos”.
Mas o momento que me fez sentar direito no sofá foi quando Daenerys começou a queimar tudo, enquanto assistia o horror de Jon vendo seus homens e os Dothraki começarem a girar suas lâminas sobre os habitantes de Porto Real depois que se renderam, seguido pela corrida angustiante de Arya pela cidade, tentando salvar o máximo de pessoas que podia enquanto tudo desmoronava e explodia ao redor dela.
Alguns podem dizer que a decisão de Arya de abandonar sua busca por vingança pareceu tão abrupta quanto o colapso literal de Daenerys; mas para mim, sinalizou a percepção de que a vingança é em última análise fútil, algo que ela provavelmente percebeu depois de matar o Rei da Noite. Não era bom matá-lo, mas era melhor do que morrer. Como O Cão falou, Cersei provavelmente morreria de um jeito ou de outro no ataque de Dany, mas não havia razão para Arya jogar sua vida fora em busca de vingança – isso não trouxe alegria, paz ou qualquer coisa que valha para ela desde que seu pai morreu. Mas salvando vidas e ajudando aqueles que não puderam se ajudar, ela foi capaz de usar suas habilidades para algo bom em vez de algo destrutivo pela primeira vez em anos, e é exatamente disso que o mundo precisará depois que todos esses aspirantes a monarcas pararem de lutar entre si. (Se ao menos o Cão pudesse ter dado a Dany a mesma conversa de motivação).
E tão desapontado quanto eu é que a série realmente parece colocar Jon como o último homem de pé e merecedor de tudo, apesar do fato de que ele tenha todo o clichê de a “jornada de herói” que inicialmente parecia que Martin estava disposto a subverter, foi comovente vê-lo perceber que os homens com quem ele lutou e sangrou lado a lado em “The Long Night” não são melhores (na verdade, são realmente piores) do que os Lannisters do outro lado. Você pensaria que ele já teria aprendido que as pessoas estão muito ansiosas para seguir seus piores impulsos quando ninguém está olhando, depois do que aconteceu com ele na Patrulha da Noite. Uma verdade consistente em Game of Thrones: Jon Snow ainda não sabe nada.
Miguel Sapochnik sempre foi um dos diretores mais talentosos na tela grande ou pequena quando se trata de capturar o imediatismo e a claustrofobia da batalha, e ainda mais do que o caos e a carnificina da Batalha de Winterfell, a Batalha de Porto Real mostrou ser tão espetacular e poderosa quanto o elenco prometeu (em parte porque poderíamos realmente ver dessa vez).
O verdadeiro horror de “The Bells” foram as baixas entre os civis inocentes – pessoas que não têm nenhum papel a desempenhar no jogo de tronos, e provavelmente não dão a mínima para quem está usando a coroa, desde que eles ainda possam alimentar suas famílias e manter um teto sobre suas cabeças. É a representação mais realista da guerra que a série já nos deu, parecendo intencionalmente evocar algumas das imagens horripilantes que vimos no Oriente Médio nos últimos anos – com os civis ensanguentados cobertos de cinzas, procurando desesperadamente por entes queridos.
Quer você concorde com algumas das escolhas dos personagens ou não, a destruição de Porto Real chega ao coração do que George RR Martin parecia explorar quando começou a escrever As Crônicas de Gelo e Fogo – mesmo que você ganhe uma guerra, você ainda perde e aqueles que sofrem mais são geralmente aqueles que têm menos poder. Se Game of Thrones nos deixar com essa mensagem niilista (mas no fim honesta) no final, tudo não terá sido em vão, mesmo que os eventos deste penúltimo episódio pareçam garantir que o último capítulo será uma porcaria.
Veredito
Eu honestamente ainda não sei dizer o que sentir em “The Bells”, e é quase impossível dar um veredito sem ver como esta história termina no final da série. Enquanto a decisão de Daenerys de queimar Porto Real parece uma reviravolta abrupta e inesperada para mim, a série tem indiscutivelmente lançado as bases para este enredo desde o começo. O que você sente sobre isso provavelmente depende de como você se sente sobre Daenerys como personagem (e como você se sente sobre Jon Snow, que os showrunners claramente acham muito mais interessante do que eu). Mas, independentemente das decisões do personagem, “The Bells” é um dos mais artísticos, poéticos e perturbadores da história de Game of Thrones, como o verdadeiro custo da guerra atinge sua casa de forma devastadora e visceral, com civis desamparados presos no fogo cruzado e personagens honrosos forçados a ver a feiura da humanidade quando a lei e a ordem são esquecidas.
Eu deixei várias coisas nesse texto, mas as que ficaram, foram o mais importantes a serem ditos.
Texto revisado pelo Érico.
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