É considerado um dos piores capítulos na longa história de violência racial nos Estados Unidos, mas até pouco tempo atrás muitos americanos nunca tinham ouvido falar do massacre que ocorreu em 1921 na cidade de Tulsa, no Estado de Oklahoma.
Watchmen, série baseada no quadrinho homônimo de Alan Moore e Dave Gibbons, da HBO mostra que nos anos de 1921, ocorreu o que ficou conhecido como o Massacre Racista de Tulsa (Tulsa Race Massacre), um acontecimento real e profundamente perturbador na história americana, onde, em 31 de maio daquele ano, uma multidão de brancos atacou uma comunidade negra. A série retrata isso de uma forma assustadora logo no primeiro episódio pela visão de um garoto que assiste pelo noticiário pessoas brancas explodindo locais onde os negros estavam. Ele se consegue fugir dessa violência com sua família, aparecendo depois no final do capítulo. As cenas mostram homens com armas brancas escritas KKK disparando contra homens e mulheres indefesos. Cenas de bombas sendo jogadas naquela pequena comunidade é arrepiante e, embora Watchmen ocorra em uma história alternativa, esse evento é uma mancha inesquecível no país da liberdade.
Esse artigo nasceu também da vontade de mostrar ao críticos da obra televisa de Watchmen que racismo existe, que o racismo americano está dentro de sua cerne como uma mancha negra que nunca sairá desse país que tanto defende a liberdade com unhas e dentes.
O massacre é conhecido como o “pior incidente de violência racial” na história americana. Centenas de pessoas foram violentamente assassinadas durante o Massacre de Tulsa, mas a contagem exata de corpos é desconhecida. E algumas pessoas que assistem a esta versão fictícia não sabiam que isso aconteceu. É tão real essa informação que a própria Regina King, atriz que interpreta a protagonista da série, Angela Abar, dedica em seu perfil do twitter compartilhar material real (matérias, pesquisas, imagens) sobre este acontecimento:
Seeing so many tweets that #Watchmen was the first time they heard about Black Wall Street and had no idea that our opening depicted the Tulsa Massacre which had not been taught in US history classes made me want to post this post from The Post: https://t.co/jiLH9M4Wt6
— Regina King (@ReginaKing) October 21, 2019
Os americanos não ‘‘sabiam’’ o suficiente sobre isso, pois segundo informações de sites que pesquisei, na época, “as reportagens foram bastante ou quase abafadas pela mídia, apesar do fato de centenas de pessoas terem sido mortas e milhares desabrigadas”. Como o site NPR relatou no ano passado, o evento também não é frequentemente ensinado nas escolas:
Antes dos eventos de maio de 1921, o distrito de Greenwood em Tulsa era um bairro predominantemente afro-americano, conhecido por sua próspera classe média. A rua principal, a Greenwood Avenue, estava repleta de negócios bem-sucedidos de proprietários negros. Greenwood pode ter sido um paraíso para os afro-americanos, mas o estado de Oklahoma tinha leis estritas que limitavam os direitos das pessoas negras. Escolas, hospitais, trens, lojas, restaurantes e até cabines telefônicas públicas foram segregadas e a miscigenação era considerada um crime. Os linchamentos não eram incomuns e, em 1920, o Ku Klux Klan estava ressurgindo no estado.
Quando Dick Rowland, um jovem negro, foi acusado de agredir uma jovem branca em um elevador em maio de 1921, foi o estopim para a tragédia. Ele foi preso e espalhou-se a notícia de que multidões brancas estavam indo ao tribunal, com a intenção de linchá-lo. As multidões foram recebidas por um grupo de homens negros armados, muitos dos quais eram veteranos da Primeira Guerra Mundial. Após um confronto, tiros foram disparados e, assim, começaram os ataques em Greenwood. Em menos de 24 horas, as multidões brancas destruíram mais de 1.000 residências e empresas. Eles atearam fogo em escolas, igrejas, bibliotecas e cinemas, devastando quarteirões inteiros da cidade.
Na abertura da série Watchmen, vemos bombas sendo lançadas sobre o que era conhecido na época como Black Wall Street. Tulsa é considerada a primeira cidade dos Estados Unidos a ser bombardeada pelo ar. Isso tudo aconteceu de verdade.
Para uma série que confronta os séculos de racismo nos EUA, essa abertura serve como um lembrete assustador de que a supremacia branca é um vilão que este país sempre lutou. Esta é também uma introdução importante à história alternativa em que Watchmen ocorre. Já que a maioria dos eventos que ocorrem no EUA nos quadrinhos são reais, com algumas pequenas diferenças – como os americanos vencerem a guerra do Vietnã – por causa da existência do doutor Manhattan.
“Para que isso seja Watchmen, precisamos destacar com um problema insolúvel, um problema que os super-heróis e vigilantes mais bem-intencionados realmente não conseguem resolver”, disse Damon Lindelof sobre o que seria a cerne e coração de sua série. “E agora estamos em 2019 em vez dos anos 80, onde parece que você não pode contar uma história sobre a América sobre qualquer perspectiva ou contexto histórico real que não fale sobre raça”.
Falar sobre o Massacre de Tusla nos primeiros segundos do primeiro episódio, deixa o que Damon Lindelof falou bastante claro. Quando o chefe Judd Crawford é encontrado pendurado na árvore, a única pessoa perto da cena do crime é o velho na cadeira de rodas que perguntou a Angela Abar, se ela achava que ele poderia levantar 90 quilos. Enquanto a câmera gira para mostrar o corpo pendurado de Crawford, podemos ver brevemente a nota “Watch Over This Boy”, escrita para a criança que fugiu do Massacre de Tulsa na cena de abertura. Parece que essa série já está nos mostrando como os efeitos persistentes da violência racial e da maior supremacia branca na América ainda ecoam de maneiras horríveis cem anos depois.
Leia mais sobre a série Watchmen
Watchmen Episódio 1 | Crítica Sem Spoilers: Fiel Aos Quadrinhos, Mas Será Que Agradou As Massas?
O Episódio Dois De Watchmen Nos Faz Questionar O Que Sabemos Sobre Bem E Mal
2 Comments