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Resenha | O Tempo Desconjuntado, de Philip K. Dick

Um dos mais recentes lançamentos do escritor americano Philip K. Dick no mercado brasileiro, O Tempo Desconjuntado (Suma das Letras, 272 páginas, preço sugerido R$ 49,90) traz uma bonita encadernação em capa dura com letras em baixo relevo, inaugurando uma previsível coleção do autor pela editora (que já anunciou o próximo título, Espere Agora Pelo Ano Passado, a ser lançado no final do mês).

O romance, até então inédito por aqui, se ambienta nos anos 1950 e conta a história de Ragle Gumm, um veterano da 2º Guerra Mundial que passa os dias concorrendo ao concurso promovido pelo jornal local e que se chama “Onde está o homenzinho verde?”. Campeão absoluto há mais de dois anos, o que o torna conhecido em toda a cidade, Ragle faz uso de um intricado sistema que envolve lógica, probabilidade e estatística para sua resolução. Morando com a irmã Margo, seu cunhado Vic e o sobrinho Sammy, recebe a visita constante do casal de vizinhos Bill e June Black, com quem mantém uma relação baseada em insinuações amorosas.

Com um tom sarcástico sobre os costumes e o estilo de vida que a América pós-guerra buscava adotar, K. Dick descreve inicialmente o cotidiano desses personagens, aparentemente entorpecidos em suas rotinas, até que eventos estranhos começam a chamar sua atenção: a lembrança de um interruptor que não existe na parede; o desaparecimento repentino de objetos e pessoas; a realidade se desmembrando em camadas. Ragle decide investigar a razão por trás desses fenômenos, desconfiando que seu vizinho Bill, funcionário da prefeitura, tenha algo a ver com isso.

É a partir de uma lista telefônica e velhas revistas descobertas num terreno baldio que o protagonista começa a perceber que algo não está certo, e o tempo corre “desconjuntado” dos acontecimentos em si. Compartilhando com sua família as suspeitas que alimenta, Gumm começa a imaginar que está sendo vigiado, e que toda a cidade segue seus passos e busca evitar que saia de lá, uma trama que nos remete ao filme Show de Truman. Mas qual a verdade por trás de tudo? E até onde Ragle Gumm está disposto a ir para descobri-la?

O livro apresenta o talento literário de Philip K. Dick além do usual, uma vez que ele aparece mais associado aos cenários futuristas e criação de narrativas distópicas tantas vezes adaptadas ao cinema e televisão. Antes que o mistério que Ragle procura desvendar se aprofunde, virando o cerne da trama, Philip traça um panorama mordaz da vida que cada um de seus personagens leva, com o pano de fundo do estilo de vida e consumo que a classe média americana começava a cristalizar. É uma leitura recompensadora para seus fãs e um bom cartão de visitas para os novos leitores.

De novo não! Está acontecendo de novo. A barraca de refrigerantes se desmanchou em pontos. Moléculas. Ele viu moléculas, descoloridas, sem as qualidades que as compunham. Então viu através daquilo, viu o espaço que havia por trás, viu a colina, as árvores e o céu. (…) No lugar onde ela existira, havia agora apenas um pedaço de papel no chão. Ele estendeu a mão e apanhou o papel. Nele estava impresso, em letras maiúsculas: BARRACA DE REFRIGERANTES. (p. 56)

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Parnaibano, leitor inveterado, mad fer it, bonelliano, cinéfilo amador. Contato: rafaelmachado@quintacapa.com.br